Deixando
de lado quaisquer matizes políticos que a palavra possa ter, o conservador é
alguém que procura conservar. E para dizer se ele está certo ou errado deveria
ser suficiente analisar o que é que ele quer conservar. Se as formas sociais
que defende — pois sempre se trata de formas sociais — estão em conformidade
com o objetivo mais elevado do homem e correspondem às suas necessidades mais
profundas por que não deveriam ser elas tão boas quanto — ou mesmo melhores —
que qualquer coisa de novo que a passagem do tempo possa trazer à luz?
Pensar
desta maneira seria normal, mas o homem de hoje já não pensa normalmente. Mesmo
quando não despreza automaticamente o passado e vê o progresso técnico como
fonte de todo bem da humanidade, ele normalmente tem um preconceito contra
qualquer atitude conservadora, pois, consciente ou inconscientemente, está
influenciado pela tese materialista de que todo “conservar” é inimigo da vida
em constante mudança e assim leva à estagnação.
O estado
de necessidade em que hoje se encontra toda comunidade que não acompanhou a
marcha do progresso técnico parece confirmar essa tese; mas as pessoas se
esquecem que isso não é tanto uma explicação quanto um estímulo para um
desenvolvimento ainda maior. Que tudo deva mudar é um dogma moderno que busca
sujeitar o homem à própria mudança; e é avidamente proclamado, mesmo por
aqueles que se consideram cristãos sinceros, que o próprio homem está nas
garras da mudança; que não somente os sentimentos e pensamentos passíveis de
serem influenciados pelo ambiente estão sujeitos à mudança, mas também o
próprio ser do homem.
Dizem que
o homem está a caminho de se desenvolver mental e espiritualmente até se
transformar em um super-homem, e, consequentemente, o homem do século XX é
visto como ume criatura diferente do homem de antigamente. Em meio a tudo isso,
esquece-se a verdade, proclamada por toda religião, de que o homem é o homem,
não meramente um animal, porque tem dentro de si um centro espiritual que não
está sujeito ao fluxo das coisas. Sem este centro, que é a fonte da capacidade
humana de tecer julgamentos — e portanto pode ser chamado de órgão espiritual
que veicula o senso da verdade —, não poderíamos nem mesmo reconhecer a mudança
no mundo que nos rodeia, pois, como disse Aristóteles, aqueles que declaram que
tudo, inclusive a verdade, segue um fluxo constante se contradizem: pois se
tudo muda, sobre qual base eles podem formular uma afirmação válida?
É preciso
dizer que o centro espiritual do homem é mais do que a psique, sujeita como ela
está a instintos e impressões, e também mais do que o pensamento racional? Há
algo no homem que o liga ao Eterno, e este algo encontra-se precisamente no
ponto aonde “a Luz que ilumina todo homem que vem ao mundo” (João, 1, 9) toca
o nível das faculdades psico-físicas.
Se esse
cerne imutável no homem não pode ser captado diretamente — como também não o
pode o centro sem dimensões de um círculo — as vias de aproximação a ele podem
não obstante, ser conhecidas elas são como os raios que correm em direção ao
centro de um círculo. Essas vias de aproximação constituem o elemento
permanente em toda tradição espiritual e, como linhas mestras tanto para a ação
quanto para aquelas formas sociais que se dirigem para o centro, constituem a
verdadeira base de toda atitude verdadeiramente conservadora. Pois o desejo de
conservar certas formas sociais só tem sentido — e essas formas só podem
perdurar — se elas dependerem do centro intemporal da condição humana.
Em uma
cultura que, a partir de suas próprias fundações (graças à origem sagrada),
está dirigida para o Centro espiritual e portanto para o eterno, a questão do
valor ou da ausência de valor de uma atitude conservadora não se coloca; a
própria palavra para isso não existe. Em uma sociedade cristã, os homens são
cristãos — mais ou menos consciente e deliberadamente —, em uma sociedade
islâmica eles são muçulmanos, em a uma sociedade budista eles são budistas, e
assim por diante; se alguém não o é simplesmente, não pertence à sua respectiva
comunidade e não é parte dela, antes coloca-se fora dela ou lhe é secretamente
inimigo.
Uma
cultura como essa vive de uma força espiritual que imprime sua marca em todas
as formas, desde a mais elevada até a mais contingente, e ao fazer isso ela é
verdadeiramente criativa; ao mesmo tempo, ela tem necessidade de forças de
conservação, sem as quais as formas logo desapareceriam. Basta que tal
sociedade seja mais ou menos integral e homogênea para que a fé, a lealdade à
tradição e uma atitude conservadora espelhem-se umas às outras como círculos
concêntricos.
A atitude
conservadora só se torna problemática quando a ordem da sociedade, como na
Europa moderna, já não é determinada pelo eterno; a questão então se coloca,
seja qual for o contexto, de saber quais fragmentos ou ecos da ordem outrora
oniabarcante mereceram ser preservados. Em toda configuração da sociedade (e
uma configuração hoje segue-se à outra em uma sucessão cada vez mais rápida),
os protótipos originais nela estão refletidos de uma ou de outra maneira. Mesmo
se a estrutura anterior é destruída, alguns de seus elementos individuais
continuam efetivos; um novo equilíbrio — por mais deslocado e incerto que seja
— é estabelecido depois de cada rompimento com o passado. Certos valores
centrais são irremediavelmente perdidos; outros, mais periféricos em relação ao
plano original, tomam a dianteira. A fim de que estes também não sejam
perdidos, pode ser melhor preservar o equilíbrio existente do que arriscar tudo
em uma tentativa incerta de renovar o todo.
Tão logo
esta escolha se apresenta, a palavra “conservador” entra em cena — na Europa,
ela foi adotada pela primeira vez na época das guerras napoleônicas —, e o termo
fica marcado pelo dilema inerente à própria escolha. Todo conservador é
imediatamente suspeito de querer apenas preservar seus privilégios sociais, por
pequenos que sejam. E nesse processo a questão de saber se o objeto da
preservação vale a pena ser preservado é deixada de lado. Nas por que a
vantagem pessoal deste ou daquele grupo não poderia coincidir com a Justiça? E
por que determinadas estruturas e determinados deveres sociais são poderiam ser
proveitosos para uma certa inteligência?
Que o
homem raramente desenvolve a inteligência quando carece dos estímulos
exteriores correspondentes é provado pelo pensamento do homem comum de hoje em
dia; só muito poucos — em geral, somente aqueles que em sua juventude
experimentaram um fragmento da “velha ordem”, ou que tiveram a oportunidade de
visitar uma cultura oriental ainda tradicional — podem imaginar quanta
felicidade e paz interior uma ordem social estratificada de acordo com as
vocações naturais e as funções espirituais pode oferecer, não somente às classes
dominantes, mas também às classes trabalhadoras.
Em
nenhuma sociedade humana, por mais justa que ela possa ser como um todo, as
coisas são perfeitas para todo indivíduo, mas há uma prova segura de se uma
dada ordem oferece ou não felicidade à maioria: esta prova é inerente a todas
aquelas coisas que são feitas, não com algum propósito material, mas com
alegria e devoção. Uma cultura em que as artes são criação exclusiva de uma
classe especialmente educada — de maneira que não há mais nenhuma arte popular
ou nenhuma linguagem artística universalmente entendida — fracassa complemente
a este respeito. A recompensa exterior de uma profissão é o rendimento que sua
prática pode assegurar; mas sua recompensa interior é que ela deveria lembrar o
homem do que, por natureza e vindo de Deus, ele é e a este respeito não são
sempre as ocupações mais bem sucedidas que são as mais felizes.
Cultivar
a terra, orar por chuva, criar alguma coisa significativa a partir da matéria
bruta, compensar a carência de alguns com o excesso de outros, governar estando
ao mesmo tempo preparado para sacrificar a própria vida pelos governados,
ensinar por amor à verdade — estas, entre outras, são as ocupações
interiormente privilegiadas. Poder-se-ia perguntar se, como resultado do “progresso”,
elas aumentaram ou diminuíram.
O homem
tornou-se sua própria medida, diriam muitos hoje, quando, como trabalhador, ele
posta-se diante de uma máquina. Mas a verdadeira medida de um homem consiste em
que ele possa rezar e abençoar, lutar e governar, construir e criar, plantar e
colher, servir e obedecer — todas essas coisas pertencem ao homem.
Quando,
hoje, certo elemento urbano exige que o sacerdote despoje-se dos sinais de sua
função e viva o máximo possível como os outros homem, isto apenas prova que
esses grupos já não sabem o que o homem fundamentalmente é; perceber o homem no
sacerdote significa reconhecer que a dignidade de sacerdote corresponde
infinitamente mais à natureza humana original do que o papel representado pelo
homem “comum”. Toda cultura geocêntrica tem uma hierarquia mais ou menos
explícita de classes sociais ou “castas”. Isto não significa que ela considere
o homem como uma mera parte que só encontre sua realização no povo como um
todo; significa, ao contrário, que a natureza humana é em si mesma demasiado
rica para que todos a todo momento estejam aptos a realizar todos os seus
aspectos. O homem perfeito não é a soma total, mas o cerne ou a essência de
todas as várias funções. Se as sociedades hierarquicamente estruturadas puderam
se manter por milênios, isto se deve não à passividade dos homens ou ao poder
dos governantes, mas ao fato de que tais ordens sociais correspondiam à
natureza humana.
Há um
erro muito difundido que diz que a classe naturalmente conservadora é a
burguesia, que originalmente identificou-se com a cultura das cidades, onde se
originaram todas as revoluções dos últimos quinhentos anos. A burguesia, de
fato, especialmente como conseqüência da Revolução Francesa, desempenhou um
papel conservador, e ocasionalmente assumiu alguns ideais aristocráticos — não,
contudo, sem tirar partido deles e gradualmente falsificá-los. Em meio à
burguesia, sempre houve conservadores que se baseavam na inteligência, mas
desde o começo eles foram minoria.
O
camponês é em geral conservador; ele o é, por assim dizer por experiência, pois
ele sabe — mas quantos ainda sabem? — que a vida da natureza depende da
constante auto-renovação de um equilíbrio de inumeráveis forças
inter-relacionadas, e que não se pode alterar nenhum elemento deste equilíbrio
sem comprometer o todo. Basta simplesmente desviar o curso de um ribeirão para
alterar a flora de toda uma área ou eliminar uma espécie animal, permitindo
imediatamente a outra espécie crescer de maneira devastadora. O camponês não
acredita que se possa produzir chuva ou sol a bel prazer.
Seria
errôneo concluir daí que o ponto de vista conservador está acima de tudo ligado
ao sedentarismo e ao apego do homem ao solo, pois já se demonstrou que nenhuma
coletividade humana é mais conservadora do que os nômades. Em todo o seu
constante vagar, o nômade está atento em preservar sua herança de linguagem e
costumes; ele resiste conscientemente à erosão do tempo, pois ser conservador
não significa ser passivo.
Esta é
uma característica fundamentalmente aristocrática; neste ponto, o nômade
assemelha-se ao nobre, ou, para ser mais preciso, a nobreza que se origina na
casta guerreira tem necessariamente muito em comum com o nômade. Ao mesmo
tempo, contudo, a experiência de uma nobreza que ainda não foi estragada pela
vida da corte e da cidade, que ainda está ligada à terra, assemelha-se à do
camponês, com a diferença que ela abrange relacionamentos territoriais e
humanos muito mais amplos. Quando, pela hereditariedade e pela educação, a
nobreza está consciente da identidade essencial entre as forças da natureza e
as forças da alma, ela possui uma superioridade que dificilmente pode-se
adquirir de outra maneira; e todo aquele que está consciente de uma genuína
superioridade tem o direito de insistir nela, do mesmo modo que em qualquer
arte o mestre tem o direito de preferir seu próprio julgamento ao daquele que é
inexperiente.
Há que se
entender que a superioridade da aristocracia depende tanto de uma condição
natural quanto de uma condição ética: a condição natural é que, dentro da mesma
família ou tribo, pode-se, em termos gerais, depender da transmissão por
herança de certas qualidades e capacidades; a condição ética expressa-se no
dito “noblesse oblige”: quanto mais elevado o nível social — e seu privilégio correspondente
— maior a responsabilidade e a carga de deveres; quanto mais baixo o nível,
menor o poder e em menor número os deveres, até a existência eticamente
indiferente das pessoas passivas. Se as coisas não são sempre perfeitas, isto
não se deve principalmente à condição natural da hereditariedade, pois esta é
suficiente para garantir indefinidamente a natureza homogênea de uma “casta”; o
que é muito mais incerto é o cumprimento da lei ética, que exige uma combinação
equilibrada de liberdade e dever. Não há sistema social que exclua o mau uso do
poder; e se houvesse algum, ele não seria humano, desde que o homem só pode ser
homem se ele se conforma simultaneamente à uma lei natural e a uma lei
espiritual. O mau uso do poder hereditário, portanto, nada prova contra a lei
da nobreza, ao contrário, só o exemplo daquelas poucas pessoas que, quando
privadas do privilegio hereditário, nem por isso renunciam à sua
responsabilidade hereditária já basta para provar a tendência ética da
aristocracia.
Quando,
em muitos países, a aristocracia caiu por causa de sua própria autocracia, isto
se deu não tanto por que ela foi autocrática para com os níveis inferiores, mas
antes porque ela foi autocrática em relação à lei superior da religião, a única
que forneceu à aristocracia sua base ética e moderou com a misericórdia o
direito dos fortes.
Desde a
derrocada, não apenas da natureza hierárquica da sociedade mas de quase todas
as formas tradicionais, o homem conscientemente conservador encontra-se por
assim dizer em um vácuo. Ele se acha só em um mundo que, com toda sua
escravidão opaca, jacta-se de ser livre e, com toda sua uniformidade
compressora, jacta-se de ser rico. Gritam-lhe aos ouvidos que a humanidade está
desenvolvendo-se continuamente em sentido ascendente, que a natureza humana,
depois de se desenvolver por tantos e tantos milhões de anos, passou agora por
uma mutação decisiva, que a levará à sua vitória final sobre a matéria. O homem
conscientemente conservador encontra-se só entre notórios bêbados, é o único
desperto em meio a sonâmbulos que tomam seus sonhos por realidade. Pelo
entendimento e pela experiência, ele sabe que o homem, com toda a sua paixão
pela novidade, continua fundamentalmente o mesmo, para o bem ou para o mal; as
questões fundamentais da vida humana têm sido sempre as mesmas; as respostas a
elas são conhecidas desde sempre, e, na medida em que podem ser expressas em
palavras, têm sido transmitidas de geração em geração. O homem conscientemente
conservador interessa-se por esta herança.
Visto que
quase todas as formas tradicionais de vida estão destruídas, raramente se
concede a ele participar de um trabalho universalmente útil e significativo.
Mas toda perda implica em um ganho: o desaparecimento das formas pede por uma
provação e um discernimento; e a confusão no mundo que nos rodeia é um chamado
para que, desviando-se de todos os acidentes, voltemo-nos para o essencial.