«O beato profeta Ezequiel narra
uma visão e uma aparição divina e gloriosa que contemplou ( cf. Ez 1,1s;
10,2s), e a descreveu plena de mistérios inefáveis. Viu, de fato, na planície,
um carro de querubins, quatro eram os viventes espirituais, dos quais, cada um
tinha quatro faces: a primeira era de leão, a segunda de águia, a terceira de
touro e a quarta de homem. Cada face era provista de asas, de modo que não se
distinguiam nem a parte anterior, nem a posterior. O seu dorso era coberto de
olhos, e também o seu ventre, e não havia neles nenhum lugar que não estivesse
cheio de olhos, e ao lado de cada face, existiam rodas, encaixadas umas nas
outras; e, nas roda, havia um espírito. E viu uma aparência de homem sentado
sobre elas; o escapelo de seus pés tinha a aparência de uma safira. O carro
levava o querubim, e os seres vivos levavam o Senhor-Condutor que os conduzia.
Onde quer que andasse, era sempre na direção de um dos rostos. E viu sob o
querubim como que uma mão de homem, que o sustentava e o carregava.
O que o profeta percebeu como real
era verdadeiro e indubitável. Todavia , a visão deixava entrever uma outra
realidade e figurava uma coisa misteriosa
e divina, um mistério escondido, na verdade, por séculos e gerações (Cf.
Col 1,26), mas que tornou-se visível nos últimos tempos (Cf. 1Pd 1,20) através
da manifestação de Cristo. O profeta, de fato, contemplou o mistério da alma
que recebe o Senhor e se torna o trono de sua Glória ( cf. Mt 19,28; 25,31).
Porque a alma, julgada digna de comungar com o Espírito na sua luz, e toda
iluminada pela beleza de sua glória inefável, que a preparou para que se torne
um trono e morada para Ele, esta alma se torna toda ela luz, toda ela rosto, e
toda ela olho. Nela não existe mais nada de obscuro, mas tornou-se toda inteira
espírito e luz; está toda cheia de olhos, não tendo mais nem parte anterior nem
posterior; mas sendo em cada lado, rosto, enquanto é elevada acima de si e,
ali, repousa a inefável beleza da glória luminosa de Cristo.
Como o sol é de todos os lados,
idêntico a si mesmo, não tendo nem parte posterior nem inferior, mas sendo todo
ele resplendente de luz, todo inteiro luz, sem nenhuma diferença entre as suas
partes; ou como o fogo, o esplendor mesmo do fogo, é por todos os lados
semelhante a si mesmo, não tendo em si, nem face anterior ou posterior, nem
alguma coisa de maior ou menos, assim a alma, perfeitamente iluminada pela
inefável beleza da glória luminosa do Rosto de Cristo, em comunhão com o
Espírito Santo, julgada digna de se tornar morada e trono de Deus, aquela alma
se torna toda olhos, toda luz, toda rosto, toda glória e toda espírito. Deste
modo, o Cristo a prepara, carrega-a e conduz, sustenta-a e lhe dirige, Ele a
arruma e adorna de beleza espiritual. Está escrito, de fato: «uma mão de homem
estava sob os querubins» (Ez 1,8; 10,8). Porque aquele que é levado por este
carro é, também, aquele que o conduz.
Os quatro seres vivos que levavam
o carro eram a figura das faculdades que regem a alma. De fato, como a águia
reina sobre as aves, o leão sobre os animais selvagens, o touro sobre os
animais domésticos e o homem, sobre a criação, assim acontece com as potências
da alma, que reinam sobre as outras. Trata-se da vontade, da consciência
(moral), do intelecto e da faculdade de amar. Elas dirigem o carro da alma, e
nele, Deus repousa. Mas, segundo uma outra interpretação, a visão de Ezequiel
aplica-se à Igreja celeste dos santos. Como este trecho conta que os seres
vivos estavam nas alturas, cheios de olhos, e que era impossível enumerar
aqueles olhos, assim também medir a sua elevação, porque não era cabível no
conhecimento; assim também é dado a todos os homens o contemplar e admirar as
estrelas do firmamento, mas não de conhecer nem de precisar-lhes o número; e
ainda, como é dato a todos de usufruir das plantas da terra, mas não de poder
contá-las, assim também é a Igreja dos santos no céu: entrar ali e saborear as
delícias é dado a todos que querem combater, mas conhecer o número e fazer as
contas, pertence somente a Deus.
O Condutor vem, pois, conduzido e
levado pelo carro e pelo trono dos seres vivos que são todos olhos, isto é, de
toda alma que se tornou o seu trono e sede, desde quando se assentou nela e a
dirige com as rédeas do Espírito, conduze-a onde lhe parece justo. De fato,
como os seres vivos espirituais não podiam andar onde queriam, mas deviam
seguir a vontade e as intenções daquele que lhes montava e lhes dirigia, assim
é Ele que tem as rédeas da alma e a conduz com o seu espírito; eles, de fato
não avançam seguindo a sua vontade; e às vezes, agrada-lhe vir no corpo e nas
faculdades; às vezes ainda, agrada-lhe chegar até às extremidades da terra,
para conceder-lhe a revelação dos seus mistérios (cf. Rm 16,25). Ótimo,
benéfico, único vero Condutor! Os próprios corpos serão honrados no dia da
ressurreição, enquanto a alma já é glorificada antes e unida ao Espírito»
[1].
Macario il Grande, Hom
I, 1-3, PG 34, 451AB; Les homélies
spirituelles de saint Macaire, Spiritualité Orientale n. 40, Abbaye de
Bellefontaine 1984, 89-91.