O Magnificat traz à tona o conteúdo e o significado da Anunciação, à partir de três situações humanas: aquela religiosa, aquela socio-política e aquela étnica; cada uma das quais, sozinha, não bastaria para interpretar o evento. A conjunção das três linguagens distintas tende, precisamente, a penetrar mais profundamente no Mistério. Cada uma desta aproximações tem vantagens e limites. O filho que Maria leva em seu ventre é a resposta de Deus às aspirações religiosas «daqueles que o temem», às aspirações socio-políticas dos fracos e necessitados, e daquelas nacionais, do povo judaico. Todavia, mesmo respondendo a estas aspirações, vai muito além de suas espectativas.
Aos olhos do evangelista Lucas, é muito significativo que a mãe do Salvador tenha sido escolhida entre as filhas de Israel, que pertença à estirpe de Abraão dos patriarcas, ainda que seja verdade que a salvação, na qual creem os cristãos, não seja questão de carne e sangue. Era preciso que a Salvação universal viesse de Israel, afim de que se manifestasse a fidelidade de Deus às suas promessas e a continuidade, que faz da Igreja, a herdeira de Israel.
É também significativo que a mãe do Salvador tenha sido escolhida no interno de um grupo religioso de tementes a Deus, os quais querem estar inteiramente a seu serviço, mesmo que seja, também verdade, que a Salvação anunciada pelo evangelho não seja reservada somente às pessoas que se distinguem pela sua religiosidade: muito mais que isso, Lucas insistirá sobre o amor de Deus pelos pecadores, os quais são todos chamados à conversão. E não é, enfim, menos significativo que a mãe do Salvador tenha sido escolhida da classe social mais humilde, aquela dos pequenos, dos fracos, tornando-se, assim, a primeira testemunha de uma salvação, cuja boa nova é diretamente destinada aos pobres. E isto não quer demonstrar a idéia de que a salvacão trazida ao mundo por Cristo, seja reservada a uma classe social, mas revela sobretudo a atitude de um Deus que não aceita a injustiça, sobre a qual estão fundadas as sociedades humanas, nas quais a lei do mais forte é sempre a melhor, e as preferências de um Deus que privlegia exatamente aqueles que a sociedade dos homens despreza e rejeita: no Reino deste Deus, os primeiros deste mundo serão os últimos e os últimos, primeiros. (...)
O Deus de quem o Magnificat celebra a santidade, a misericórdia e a força, é certamente o Deus que os «tementes a Deus» servem, todavia a continuação do evangelho nos faz saber, sem dúvida, que a sua solicitude se desdobra de modo particular àqueles que dEle se afastaram. A estes, pede que retornem, para que lhes possa perdoar tudo.
O Deus celebrado no Magnificat é e permanece o Deus de Israel, o Deus que chamou Abraão e cujas promessas, em favor de sua descendência, jamais falharão. Todavia, é também o Deus que quis que todos os homens pudessem se beneficiar da Salvação concedida a seu povo, independentemente de sua origem étnica.
A Salvação, enfim, que Deus quer assegurar a todos os homens, não prescinde das situações concretas de suas existências, mas comporta, de modo essencial, uma reviravolta das situações de injustiça, que agravam sobre os fracos e necessitados. O Deus do Magnificat se coloca, resolutamente, do lado dos pobres e dos que não tem nenhum poder.
O Magnificat não define Deus, mas fala dEle somente em função dos diversos aspectos da intervenção salvífica, iniciada com a Anunciação. E deste evento, Lucas nos apresenta Maria, como a primeira testemunha.
J. Dupont, Le Magnificat comme discours sur Dieu, 338-342.
segunda-feira, 22 de dezembro de 2014
quinta-feira, 18 de dezembro de 2014
18 de Dezembro: o Justo José
Anunciação a S.José, têmpera acrílica sobre papel, 2007, Monastero di San Lorenzo, Amandola, Itália. |
Em que consiste a justiça de José? Nada nos é explicado sobre a sublime justiça pela qual José acreditou na intervenção divina; ao contrário da Virgem, ele não tem nenhum papel na concepção virginal. A justiça se cumpre quando permite a Deus superar as dificuldades que se criam para um nascimento sem pai, difamante para os homens. Em compensação, José tem um papel capital no nascimento legal. Como Maria obedeceu na qualidade de serva do Senhor para conceber o Filho do Altíssimo, assim também ele deve obedecer para tornar-se o pai. A dúvida que o entrega às suas forças não é relatada por interessar-se em suas angústias pessoais, ou às virtudes morais, mas por revelar como se realiza o plano divino. Somente Deus conduz o desenrolar-se dos acontecimentos, mas nem por isso despreza a participação dos homens. É em nome da estirpe de Davi, em nome de Israel, como representante do Povo Eleito que, por ordem divina, o justo José aceita o mistério da Nova Aliança. Se Lucas, evangelista de Maria, nos conta a concepção e o nascimento do Filho da Virgem, Mateus refere o nascimento do Messias, o Filho de Davi.
José se mostra justo não enquanto observa a Lei que autoriza o divórcio em caso de adultério, nem porque se demonstra bom, nem porque ele deva prestar justiça a uma inocente, mas pelo fato de que ele não queira passar-se por pai do menino, Filho de Deus. Se ele teme tomar Maria como sua esposa, não é por uma razão profana; é porque ele descobre uma «economia» superior àquela do matrimônio que pretendia contrair.
O Senhor modificou o seu desígnio sobre ele; que ele aceite de assegurar o futuro de sua eleita. José se retira, tendo o cuidado, na delicadeza da sua justiça para com Deus, de não «divulgar» o mistério divino de Maria. (...)
José não é somente um modelo de virtude, mas o homem que exerceu uma função indispensável na economia da Salvação. O justo José pode ser comparado a João, Precursor.
João anuncia e indica o Messias; José acolhe o Salvador de Israel. João é a voz que se faz eco da tradição profética; José é o Filho de Davi que adota o Filho de Deus. Por motivo de sua proclamação oficial, João é Elias, o grande profeta; por motivo do humilde acolhimento que ele faz ao Emanuel na sua estirpe, José é o Justo por excelência. Como todos os justos, ele espera o Messias, mas somente ele recebe a ordem de estender uma ponte entre os dois Testamentos; muito mais que Simeão que toma Jesus em seus braços, ele acolhe Jesus na sua própria estirpe. José reage como os justos da Bíblia diante de Deus que intervem na sua história: como Moisés que descalça as sandálias, como Isaías aterrorizado com a aparição do Deus três vezes Santo, como Isabel que se pergunta como a Mãe de seu Senhor venha até ela, como o centurião do evangelho, como Pedro que diz: «Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um pecador» (Lc 5,8).
X.-L. Dufour, Studi sul vangelo, 103-108.
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