22 de dezembro
O Magnificat traz à tona o conteúdo e o significado da Anunciação, à partir de três situações humanas: aquela religiosa, aquela sócio-política e aquela étnica; cada uma das quais, sozinha, não bastaria para interpretar o evento. A conjunção das três linguagens distintas tende, precisamente, a penetrar mais profundamente no Mistério. Cada uma desta aproximações tem vantagens e limites. O filho que Maria leva em seu ventre é a resposta de Deus às aspirações religiosas «daqueles que o temem», às aspirações sócio-políticas dos fracos e necessitados, e daquelas nacionais, do povo judaico. Todavia, mesmo respondendo a estas aspirações, vai muito além de suas expectativas.
Aos olhos do evangelista Lucas, é muito significativo que a mãe do Salvador tenha sido escolhida entre as filhas de Israel, que pertença à estirpe de Abraão dos patriarcas, ainda que seja verdade que a salvação, na qual crêem os cristãos, não seja questão de carne e sangue. Era preciso que a Salvação universal viesse de Israel, afim de que se manifestasse a fidelidade de Deus às suas promessas e a continuidade, que faz da Igreja, a herdeira de Israel.
É também significativo que a mãe do Salvador tenha sido escolhida no interno de um grupo religioso de tementes a Deus, os quais querem estar inteiramente a seu serviço, mesmo que seja, também verdade, que a Salvação anunciada pelo evangelho não seja reservada somente às pessoas que se distinguem pela sua religiosidade: muito mais que isso, Lucas insistirá sobre o amor de Deus pelos pecadores, os quais são todos chamados à conversão. E não é, enfim, menos significativo que a mãe do Salvador tenha sido escolhida da classe social mais humilde, aquela dos pequenos, dos fracos, tornando-se, assim, a primeira testemunha de uma salvação, cuja boa nova é diretamente destinada aos pobres. E isto não quer demonstrar a idéia de que a salvação trazida ao mundo por Cristo, seja reservada a uma classe social, mas revela sobretudo a atitude de um Deus que não aceita a injustiça, sobre a qual estão fundadas as sociedades humanas, nas quais a lei do mais forte é sempre a melhor, e as preferências de um Deus que privilegia exatamente aqueles que a sociedade dos homens despreza e rejeita: no Reino deste Deus, os primeiros deste mundo serão os últimos e os últimos, primeiros. (...)
O Deus de quem o Magnificat celebra a santidade, a misericórdia e a força, é certamente o Deus que os «tementes a Deus» servem, todavia a continuação do evangelho nos faz saber, sem dúvida, que a sua solicitude se desdobra de modo particular àqueles que dEle se afastaram. A estes, pede que retornem, para que lhes possa perdoar tudo. O Deus celebrado no Magnificat é e permanece o Deus de Israel, o Deus que chamou Abraão e cujas promessas, em favor de sua descendência, jamais falharão. Todavia, é também o Deus que quis que todos os homens pudessem se beneficiar da Salvação concedida a seu povo, independentemente de sua origem étnica.
A Salvação, enfim, que Deus quer assegurar a todos os homens, não prescinde das situações concretas de suas existências, mas comporta, de modo essencial, uma reviravolta das situações de injustiça, que agravam sobre os fracos e necessitados. O Deus do Magnificat se coloca, resolutamente, do lado dos pobres e dos que não tem nenhum poder.
O Magnificat não define Deus, mas fala dEle somente em função dos diversos aspectos da intervenção salvífica, iniciada com a Anunciação. E deste evento, Lucas nos apresenta Maria, como a primeira testemunha.
J. Dupont, Le Magnificat comme discours sur Dieu, 338-342.