O retorno do filho pródigo, nos confessionários da Igreja da Divina Misericórdia, San Bartolomeo al Mare, Liguria, Italia |
A parábola do filho pródigo nos mostra o tempo do arrependimento como o
retorno do homem do exílio. O filho pródigo, como sabemos, partiu para um país
distante, e lá dissipou tudo quanto possuia. Um país longínquo! Esta é a única
definição da nossa condição humana, que devemos assumir e tornar nossa, quando
começamos a encaminhar-nos na direção de Deus. Um homem que nunca tenha feito
esta experiência , ainda que por breve tempo, que não se sentiu jamais exilado,
longe de Deus e da verdadeira vida, não compreenderá jamais o que é o
cristianismo. E aquele que se sente perfeitamente «em casa» neste mundo e na
vida deste mundo, e que nunca foi ferido por uma saudade irrefreável de uma
outra realidade, não compreenderá que coisa é o arrependimento.
O arrependimento é frequentemente identificado com uma enumeração fria e
«objetiva» de pecados e transgressões, com a «confissão de culpabilidade»
diante de uma acusação legal. Confissão e absolvição são vistas como atos de
natureza jurídica. Mas esquece-se de uma realidade essencial, sem a qual nem a
confissão, nem a absolvição tem o mínimo significado real ou a mínima eficácia:
o sentimento de alienação de Deus, da alegria da comunhção com ele, da
verdadeira vida que é criada e doada por Ele. É fácil, de fato, confessar que
não jejuei nos dias prescritos, que esqueci-me das orações ou que fiquei muito
irritado. Toda uma outra coisa é, ao contrário, render-me contas de que eu
perdi e deturpei a minha beleza espiritual, que estou bem longe de minha
verdadeira morada, da minha verdadeira vida, e que alguma coisa de muito
precioso, de puro e de belo foi irremediávelmente quebrado na mesma trama de
minha existência. Exatamente isto é o arrependimento, e somente isto, e por
isso mesmo, é também um desejo profundo de retornar, de operar uma inversão de
marcha, de reencontrar a casa perdida. Recebi de Deus riquezas maravilhosas:
antes de tudo a vida e a possibilidade de desfrutá-la, de dar-lhe um senso, de
enchê-la de amor e de conhecimento; depois, no batismo, a vida nova de Cristo mesmo,
o dom do Espírito Santo, a paz e a alegria do Reino eterno. Recebi o
conhecimento de Deus, e nEle, o conhecimento de todas as outras coisas e o
poder de ser filho de Deus. E, tudo isso eu o perdi; tudo isto eu o perco
continuamente, não somente nos «pecados» e nas «transgressões» particulares,
mas no pecado de todos os pecados: desviando o meu amor de Deus, preferindo o
«país longínquo» (lc 15, 13) à beleza da casa do Pai. (...)
Na liturgia da Igreja do Oriente, nas laudes do domingo do filho pródigo,
canta-se o salmo 136, triste e nostágico, o salmo do exílio. Os hebreus o
cantavam durante a sua prisão naBabilônia, lembrando-se de Jerusalém, a sua cidade santa. Este tornou-se, para
sempre, o canto do homem que se dá conta de seu exílio longe de Deus e que,
nesta processo de acordar, retorna a ser homem: um ser que não pode sentir-se
plenamente satisfeito por nenhuma coisa neste mundo decaído, e que é, por
natureza e vocação, um peregrino do Absoluto. Este salmo mostra a Quaresma como
uma peregrinação e arrependimento, como retorno.
Schmemann, A., La grande Quaresima, 18-20.
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