Reflexão para o 6o sábado do Tempo Comum
Hb 11,1-7; Sl 144; Mc 9,2-13
A liturgia de hoje nos oferece a possibilidade de ler, ainda uma vez, o relato da Transfiguração do Senhor que, a partir da primeira leitura, com a qual se dá uma visão resumida dos onze primeiros capítulos do Gênesis, lidos nos dias passados, pode ser acolhido como uma divina advertência. De fato, como «Noé, avisado divinamente daquilo que ainda não se via, levou à sério o oráculo e construiu uma arca para salvar sua família» (Hb 11,7), assim o Senhor Jesus «tomou consigo Pedro, Tiago e João e os levou sozinhos sobre um alto monte, em um lugar afastado. E transfigurou-se diante deles» (Mc 9,2). Naturalmente a primeira reação de Pedro não podia senão ser estasiada: «É bom estarmos aqui!» (9,5), que poderia ser traduzida com: «Que Bonito!». É a mesma reação que temos diante da arca de Noé, plena de simpáticos animais, que parecem desembarcar sobre a terra, finalmente enxuta e purificada do mal, felizes e contentes. Mas a nota, referida na primeira leitura, leva-nos mais longe, obriga-nos ir muito mais profundo: «A fé é o fundamento das coisas que se esperam e prova daquelas que não se veem» (Hb 11,1). E, para evitar mal entendidos, o texto repete por oito vezes, em sete versículos, o termo «fé» - que neste capítulo da Carta aos Hebreus, aparece por 26 vezes – para que seja claro como «sem a fé, seja impossível ser agradável a Deus» (11,6). A fé, se é estável, porque é «fundamento» (11,1), não é nunca estática, mas um contínuo caminhar com Deus: como Henoc, um aceitar as consequências das próprias escolhas; como Abel, mudar o programa sobre a própria vida; como Noé... acolher um desígnio tão diferente daquele que todos esperavam e que, talvez no coração, fosse o que desearia, como Jesus, que justo «enquanto desciam do monte» (Mc 9,9) revela, uma vez mais, o mistério adorável da sua kênose[1]: «Deve sofrer muito e ser desprezado» (9,12). Justo daquele «santo monte» (2 Pd 1,18) Pedro conserva uma recordação inesquecível até a sua velhice, porque, como Noé, também o seu coração de discípulo, ainda imaturo, foi «divinamente avisado» (Hb 11,7) daquilo que estava para acontecer, para poder atravessar o evento de modo digno e adequado. Este aviso é oferecido no jogo sutil entre luz e trevas, entre alegria e temor, entre clareza e incompreensão, entre palavra e silêncio... naquele «terreno intermediário», que é criado pela correspondência da única ordem expressa, em primeira pessoa, pelo Pai: «Escutai-o!» (Mc 8,7) – e ainda uma vez – o desafio do encontro com Deus não é aquele de ver, mas de escutar. Trata-se, como diz o autor da Carta aos Hebreus, de saber continuamente reler a história dos primeiros pais, para escutar seu ensinamento e acolher, humildemente, o próprio percurso, para receber o testemunho de «ser agradável a Deus» (Hb 11,5). O Senhor Jesus o atesta sobre João, dizendo: «Fizeram com ele tudo o que quiseram» (Mc 8,13), louvando João e preconizando sobre si mesmo «como está escrito» (8,12) e, do mesmo modo, deseja-o para cada um de nós, chamados a tornar-nos herdeiros «da justiça segundo a fé» (Hb 11,7).
Fra Michel Davide OSB
[1] Kênose é um termo grego para expressar o esvaziamento de Jesus, que da sua Glória Eterna, abraça a humilhação máxima, na vida humana, culminando na Paixão e morte.
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