terça-feira, 28 de abril de 2015

O pastor que ordenha a ovelha

Fragmento de Sarcófago romano, séc.III, Museo Pio Cristiano, Vaticano
A ordenha das ovelhas, imagem idílica da abundância paradisíaca, já presente no paganismo, vai conquistar outro significado. Na vida terrena dos patriarcas bíblicos, o leite é um nutrimento essencial e a eles é prometida uma terra «onde corre leite e mel» (Ex 3,8); a promessa é destinada a ser cumprida, em plenitude, somente no paraíso escatológico, onde «o leite escorrerá das colinas» (Gl 4,18). A imagem do leite tem uma dupla perspectiva: o fiel é, na Igreja, desde agora, nutrido com o leite, que é uma antecipação do paraíso (era este o significado da taça de leite com mel que se dava para beber aos neófitos, em alguns ritos batismais) e o será, de forma mais abundante, no além. «Não se poderia encontrar alguma coisa de mais nutritiva e mais doce que o leite; em todo elemento, o nutrimento espiritual lhe é semelhante; doce, porque é dado por graça; nutritivo, porque é vida»; é Cristo que «doa a nós, pequeninos, o leite do amor». « “Eu vos dei leite para beber”, significa: despejei o conhecimento que, partindo da catequese, vos eleva até a vida eterna». Ali teremos nutrimento perfeito, um leite perfeito «que nos foi prometido com o mel, no momento do repouso eterno»[1].
Fragmento de Sarcófago romano, séc.III, Museo Pio Cristiano, Vaticano
Perpétua, martirizada em Cartago em 202, na sua prisão se vê, em sonho, entrar no paraíso. «Subi e vi um imenso jardim e, no meio dele, sentado, um homem com os cabelos brancos, vestido de pastor. Era alto e ordenhava as ovelhas. Ao seu redor, estavam milhares de homens vestidos de branco. Levantou a cabeça, olhou-me e disse: “Bem vinda, minha filha”. Chamou-me e deu-me um pedaço do queijo que fazia. Tomei-o com as mãos unidas e o comi, e todos aqueles que o circundavam disseram: “amém!”. Com este som, despertei, mastigando ainda alguma coisa, que não sei que era, doce»[2]. Das ressonâncias litúrgicas podemos entender que o pastor é o Senhor e é a eucaristia, isto é, Deus mesmo, que Perpétua recebe, sob a forma sacramental, figurada no queijo daquele paraíso bucólico.
Pastor que leva o leite da ovelha. Afresco na Catacumba de S. Calixto, Roma, séc. III




[1] Clemente de Alexandria, Pedagogo 1, 36, 1-4; 40, 2.
[2] Paixão de Perpétua e Felicidade, 4.

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