O dom de saber maravilhar-se está em estreita relação com pobreza: o frescor do olhar depende da capacidade de desembaraçar-se de si mesmo e está ligada à simplicidade de reconhecer que não se tem nenhum direito: quê coisa possuímos que não nos tenha sido dada? (cf. I Cor 4, 7). E, no mesmo sentido, o dom de maravilhar-se é muito próximo do espírito e infância. Não se trata aqui de uma regressão infantil; não se deve tender à infância como uma parada no crescimento ou uma volta atrás, ms caminhar na direção da infância futura, que está na ordem do Reino.
O segredo do espírito de maravilhar-se reside, talvez, na
capacidade de conjugar duas atitudes quase contraditórias: aquela de querer
tudo e aquela de contentar-se com pouquíssimo.
Mas estas duas atitudes não podem estar uma sem a outra.
Querer tudo, agora, é impaciência do desejo, o estágio do lactente. E crescer é
aprender a transformar as necessidades em desejos e administra-los. Querer tudo
é viver na irrealidade que sempre desilude, porque aquele desejo imediato recai
sobre nós, como uma acusação de insucesso e de impotência. Então, é
verdadeiramente a morte do maravilhar-se.
Por outro lado, contentar-se unicamente com pouquíssimo é
insidiar-se na mediocridade, é ter podado tanto as asas de nossos desejos, que
eles não se sustentam mais. Estar satisfeito a preço baixo: atitude do cético,
também ela é a morte do maravilhar-se.
Existe, no entanto, em cada uma destas atitudes, alguma
coisa de justo: querer tudo corresponde aquele desejo do infinito em nós, é o
que nos caracteriza como seres humanos, chamados a ser infinitamente mais do
que somos. E isto é sinal de que fomos feitos por Deus para nos tornarmos seus
hóspedes e seus amigos. Mas, por isso mesmo, este desejo infinito não deve
fixar-se e finalizar-se em outra coisa que não seja Deus mesmo e seu Reino.
Desejar infinitamente alguma coisa finita não seria o cúmulo do absurdo? É
esta, no entanto nossa eterna tentação. Eis porque – e aqui a fé alcança a
psicologia – este desejo deve ser continuamente reconduzido para além de si
mesmo.
Por outro lado, ainda, contentar-se com pouco esconde uma
sabedoria, um sadio realismo, uma autêntica humildade, a consciência de viver
num mundo em transformação e de estar em uma situação de exílio e de êxodo. Já
pudemos experimentar o quanto as coisas sejam difíceis e como poucas sejam bem
sucedidas, e nunca aos cem por cento. Sim, é sabedoria saber reconhecer o que é
positivo, mesmo se está situado mais próximo do nada do que do tudo. Sim, é
sabedoria dizer: «não é tudo, mas é mais que nada!».
É igualmente verdadeiro, porém, que este são realismo não
pode manter-se como sabedoria autêntica, pobreza espiritual e fonte de
maravilha se ele não é substituído pelo desejo infinito, que o eleva e,
imensamente, o dilata. Como também, o desejo infinito não pode permanecer
abertura sobre o futuro se ele não for substituído pela cotidiana
disponibilidade de contentar-se com pouco. E assim, o presente, na sua
relatividade, nas suas ambigüidades, não será desvalorizado pela expectativa do
futuro, quer dizer, do Reino. Na verdade, querer tudo e contentar-se com pouco
é o segredo de uma maravilha que não é nem ingênua nem ilusória.
P.-Y. Emery, Le don d’émerveillement, 200-201.
2 comentários:
"Querer todo y contentarse con poco". Una preciosa reflexión que consuela a aquellos que sentimos la maravilla de la vida en las cosas más pequeñas pero que, al mismo tiempo, estamos sedientos de un sentido trascendente. Urgencia vital, casi dolorosa, que solo consuela esos instantes de sencilla felicidad, como el que produce la lectura de tus palabras, querido amigo.
Pax.
Caro Ray! Gracias por compartír de esa sed... solo ella nos alumbra en la Noche! es bueno no estar solos en buscarla!
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