Acolher o sofrimento não é complacência. Não é amar o sofrimento por si mesmo. É consentir em ser humilhado. É abrir-se ao benefício do inevitável, como um terreno que se deixa penetrar até o fundo pela água do céu.
Existe uma arte do sofrer, que, porém não deve ser confundida com a arte de cultivar o sofrimento, nem com a arte de evitá-lo.
Quem sente piedade de si mesmo e se enternece sobre sua própria dor, perde imediatamente os seus benefícios. Da mesma maneira acontece com quem se dobra sobre suas dores e experimenta um sabor perverso no saborear-lhe o amargor.
Quando o sofrimento se impõe, não é necessário rejeitá-lo nem ceder a ele. Não é necessário nem lutar, nem brincar astuciosamente com ele. Mas é necessário sim, sem auto-complacência, aceitá-lo. Tal aceitação, diga-se de passagem, não é nunca definitiva. Ela constitui também o mais alto exercício da liberdade.
A dor e a alegria têm o mesmo valor. Trata-se de dois correlativos. A dor é o avesso daquele único tecido, cujo direito é, ou será, a alegria. Mas é necessário antes aceitar o avesso, o qual se oferece sozinho, sem querer – coisa, por si mesma impossível – girar o tecido, enquanto não se conhece ainda seu lado direito. Sob a espécie da dor existe já a substância da alegria. É o que aparecerá um dia.
Por acaso, não acontece, aquele que crê, poder saborear a promessa de Jesus, no aqui e agora?
Existe somente um meio para ser feliz: não ignorar o sofrimento, e não fugir dele; mas aceitar a sua transfiguração. «A vossa aflição será mudada em alegria» (Jo 16, 20). A verdadeira felicidade não pode ser senão o resultado de uma alquimia.
Quando estiveres no cúmulo do sofrimento, olha-te, a cada tanto, com humor, e assim escaparás ao veneno que o sofrimento destila. Acredita-me, é o remédio mais eficaz que qualquer outro combate. É também mais fácil, basta que tu sejas um pouco sensível à comédia humana, sem se colocar fora dela.
Para aceitar o sofrimento não é necessário esperar que o escândalo dele tenha passado. Nem é necessário esperar que o mal, contra o qual se luta no profundo de si mesmo, deixe de sê-lo. Não é necessário que se produza uma mudança, seja no objeto, seja no juízo de valor que se é constrangido a viver. Em outras palavras, que o mal desaparecesse ou que não aparecesse mais como tal. Espera inútil e não desejável! Mal objetivo, escândalo que lhe é intrínseco, sofrimento que decorre dele: na medida em que não se pode nada diante dele, é necessário aceitar tudo isso, e não simplesmente sofrer. É a propósito de tudo isso, indistintamente, que é preciso dizer: Fiat voluntas tua! Do contrário, sem que o sofrimento seja aliviado, mal e escândalo pelo mal cumprem em nós a sua obra devastadora. Eles se derramam ilogicamente, com uma ilogicidade inscrita em uma inclinação da nossa natureza, sobre nossa relação com Deus, terminando por perturbá-la. Ao contrário, o mal, se ele foi aceito, torna aquele que sofre mais humilde e caritativo, mais paciente e mais amante; desapega-o e o eleva: é esta a única saída possível para que não que ser infectado com ele.
Lubac, H. de, Paradossi e nuovi paradossi, 89-91.
Um comentário:
Lo que he podido entender de estas palabras me recuerda a una lectura de mis tiempos juveniles, que intento tener siempre en mente: http://mimosa.pntic.mec.es/jgomez53/poesia/gibran_dolor.htm
Gracias, amigo, por compartir tan bellas reflexiones.
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