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Monte Sinai, séc. VI |
Na morte, nós todos nos encontramos de fronte à grande pobreza da nossa natureza. Na morte se cumpre a obediência ao destino do nosso ser e nela, essa obediência chega a sua crise mais radical, à sua problemática mais alta. Porque a morte descobre, do modo mais agudo, o caráter «aniquilante» da nossa pobreza: onde o homem escapa de suas prórias mãos, é raptado de si mesmo. Aqui, tudo lhe é totalmente escondido, e em tudo, subtraído ao seu controle, o caráter definitivo da sua operação vital, atuada na pobreza da liberdade, a única coisa, pois, que nos abismos da morte oferece ainda um terreno, uma sólida consistência e uma duração fiel. No sofrimento obediente desta profundíssima impotência, onde o homem não tem nada mais que a sua doação, e esta, somente na experiência de um total «empobrecimento», realiza a «pobreza no espírito», cuja paixão sem voz e sem nome encontrou em Jesus a sua mais feliz expressão: «Pai, em tuas mãos entrego meu espírito» (Lc 23,46). A obediente doação ao próprio ser, que com seu peso, aprofunda-se na morte, torna-se doação «ao Pai», cumprimento da tríplice doação na fé, esperança e caridade. Abandonando-se à decisão de sua pobreza, o homem, quer saiba ou não, abandona-se a Deus mesmo. A «pobreza no espírito» torna-se o limiar do encontro com Deus, a brecha para a conquista da transcendência. Neste sentido, a pobreza é, ainda uma vez, não um comportamento ou uma virtude facultativa entre outras, mas o ingrediente secreto de todo ato transcendente, a raiz de toda «virtude teologal». Porque a nossa pobreza, à qual nós nos confiamos através da «pobreza no espírito», é como um perfil, o reflexo, aqui, deste lado do mundo, daquele esplendor da própria infinidade de Deus, na qual, por graça e misericórdia, deveremos encontrar a nós mesmos na plenitude de nossa existência. Em todas as formas desta pobreza, finalmente ligadas e convergentes como os raios de uma roda, quase no seu centro, na grande pobreza da morte, Deus dá um antegosto, uma amostra grátis de si mesmo.
Na sua inelutabilidade se apresenta categoricamente a nós a santa contade de Deus: esta não está suspensa acima de nossa contingência, arbitrariamente ou sem significado, de maneira «não obrigatória»; mas, ao contrário, cada vez incide-se nela como um «sigilo» da sua divina promessa. Assim, os aspectos singulares da pobreza de nossa existência são, outras tantas possibilidades do nosso devir humano, prometidos e impostos por Deus. A partir deles, Ele nos fala, e neles, nos apresenta o cálice de nossa missão. Tomando e bebendo deste cálice, nós fazemos que aconteça em nós, a sua santa vontade.
J.B. Metz, Povertà nello spirito, 60-62.
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