Anúncio a Zacarias, Tempera sobre papel, 2008, Monastero di San Lorenzo, Amandola, Itália. |
Calar não significa permanecer mudo, como falar não significa tagarelar. O permanecer mudo não cria a solitude e o tagarelar não cria comunhão. «Calar é superabundância, embriagar, sacrifício da palavra. Mas o mutismo é ímpio, como um objeto que foi somente mutilado, não sacrificado... Zacarias permaneceu mudo, ao invés de permanecer em silêncio. Se ele houvesse aceitado a revelação, talvez não tivesse saído do Templo mudo, mas somente silencioso» (Hernest Hello). A palavra que cria de nova a comunidade e a reúne, é acompanhada pelo silêncio. «Existe um tempo para calar e um tempo para falar» (Qo 3, 7). Como no dia do cristão existem determinadas horas dedicadas à palavra, sobretudo nas horas de culto e da oração em comum, assim também, ao longo do dia devem existir períodos de silêncio na escuta da Palavra, silêncio que nasce da Palavra. Existirão, sobretudo os momentos antes e depois da escuta da Palavra. A Palavra não atinge os homens barulhentos, mas aqueles que permanecem em silêncio. O Silêncio no tempo é um sinal da santa presença de Deus na sua Palavra.
Existe uma diferença, ou melhor, uma rejeição do silêncio, porque se vê nele um desprezo pela revelação de Deus na Palavra. Neste caso, o silêncio é entendido erroneamente como ato solene, quase um místico desejo de elevar-se acima e além da Palavra. Não se reconheceria mais, no silêncio, a sua essencial relação com a Palavra, o humilde silenciar-se do singular diante da Palavra de Deus. Calamos antes de escutar a Palavra, para que os nossos pensamentos já estejam dirigidos para a Palavra, como uma criança cala, quando entra no quarto do pai. Calamos depois da escuta da Palavra, porque esta ainda nos fala, vive e habita em nós. Calamos de manhã cedo, porque Deus deve ter a primeira palavra, e calamos antes de deitarmos, porque a última palavra pertence a Deus. Calamos somente por amor à Palavra, isto é, exatamente para não desonrá-la, mas para honrá-la e recebê-la como se deve. Calar, enfim, não quer dizer outra coisa que esperar a Palavra de Deus e depois voltar para casa, depois de tê-la escutado, com a sua benção. Cada um, pela sua própria experiência, sabe o quanto é necessário aprender a calar em um tempo em que predomina o falar; e que se trate mesmo de aprender a calar verdadeiramente, a fazer silêncio no próprio íntimo, a frear a própria língua: isto não é outra coisa que a conseqüência natural do silêncio espiritual.
Dietrich Bonhoeffer, La vita comune, 102-104.
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