Ceia e Lava piedi - 1418-1422 - Bíblia de Mkrtich Naghash |
«Amou-os até o fim»: na linguagem de João esta palavra “fim” (telos) anuncia também a paixão, o amor infinito do Filho, que assumiu, em perfeita obediência, a natureza humana, até a espoliação total, até a morte e a morte de cruz (cf. Flp 2, 8). «Não há maior amor que dar a vida pelos próprios amigos» (Jo 15, 13).
«Amou-os até o fim». Mas a morte não é a última palavra, as trevas não podem sufocar a luz. «Por isso, o Pai me ama, porque eu dou a minha vida, para retomá-la de novo. Tenho o poder de dá-la e o poder de retomá-la de novo. Este mandamento, eu o recebi de meu Pai» (Jo 10, 17-18). Tenho o poder de dar a vida e o poder de retomá-la de novno. Tal é a força inaudita da ressurreição, que tem origem sobre a cruz e no sepulcro. Cruz vitoriosa, sepulcro vivificante! «Amou-os até o fim», isto é, fez os seus participarem de sua vida, através de sua morte. «Pelo batismo fomos sepultados com ele em sua morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dos mortos pela ação gloriosa do Pai, assim também nós vivamos uma vida nova» (Rm 6, 4).
«Amou-os até o fim», até a vitória sobre a morte, sobre o último inimigo, afim de que a vida nova viva nos nossos corpos mortais. «Amou-os até o fim» manifesta também o amor infinito do Espírito Santo, que revela o rosto de glória de Cristo ressuscitado, e que nos faz participar, através da humilhação do Filho eterno, da glória de sua ressurreição, amor infinito do Espírito Santo, o qual nos arrasta após Jesus, sumo sacerdote, nosso precursor (cf. Hb 6, 20), até à direita do Pai celeste, e que permanece conosco para sempre.
A vinda do Espírito Santo, do qual Jesus é o precursor, é verdadeiramente o termo e a plenitude do amor da Trindade, amor revelado e oferecido como comunhão, nele a vida mesma de Deus escorre nos nossos membros, unifica-nos, renova-nos e purifica-nos. O Espírito Santo é o grande purificador, vem fazer sua morada em nós, a purificar-nos de toda impureza, de todo pecado, de todo mal. Santificar-nos, chamar-nos à purificação é exigência própria do amor de Deus; sem esta purificação, o nosso amor mesmo, os nossos gestos e nossos dons são opacos, pesados. O amor é humilde, mas exigente.
É bom recordar o contexto trinitário do amor e da humilhação da última ceia e do lava-pés. Amor e humilhação, amor perfeito e total abaixamento, são duas realidades inseparavelmente unidas nos gestos humanos mais cotidianos, como nos momentos mais sublimes da redenção de Cristo. Amor e humilhação que tem suas raízes na vida mesma de Deus, na sua natureza inefável. (...) O amor de Cristo continua no hoje da vida da Igreja. Mas, como pode a Igreja, por seu lado, amar até o fim, como pode o cristão, profundamente imerso nos problemas, nos conflitos, nas tensões, nas contradições e nas incertezas do mundo, como pode amar até o fim?
«Eu vos dei o exemplo para que, como eu fiz, fazei-o vós também» (Jo 13, 15). O Lava-pés continua, de uma geração a outra, em uma cadeia de amor que não deve romper-se. Este gesto indica a qualidade da humildade de nosso amor, revela a humanidade, a verdade, a ternura de nosso coração, o frescor, a espontaneidade, e talvez também, a loucura de nosso serviço aos irmãos. Amar até o fim é, para a Igreja, revelar ao mundo o Rosto de Cristo.
B. Bobrinskoy, Il les aima jusqu'au bout, 354-358.
Um comentário:
E eu repito: "Amou-nos até o fim"
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