Henri J. M. Nouwen conta que no outono de 1983, numa cidadezinha francesa chamada Trosly, em visita ao escritório de uma amiga, ele viu um pôster reproduzindo o quadro “A volta do Filho Pródigo”, de Rembrandt, que “retratava um homem envolto num amplo manto vermelho tocando afetuosamente o ombro de um jovem andrajoso, ajoelhado diante dele”. Nouwen diz que não conseguia deixar de olhar para aquele pôster, atraído pela mensagem que aquela obra de arte lhe transmitia. Verificando o seu interesse pela obra, a sua amiga lhe perguntou se ele gostava. Respondeu que “é bonito, mais do que isso... dá-me vontade de chorar e rir ao mesmo tempo... não sei dizer o que sinto quando o contemplo, mas me toca profundamente”. Sua amiga lhe disse que era relativamente fácil adquirir uma reprodução como aquela em Paris, sugestão que ele aceitou. Tendo comprado o seu próprio pôster, passou a admirá-lo no seu próprio ambiente de trabalho.
Muita coisa aconteceu na vida de Henri antes e depois de ter admirado e adquirido o pôster do quadro de Rembrandt. Houve acontecimentos muito importantes na sua vida, culminando com a sua decisão de largar as cátedras que ocupava nas universidades americanas (Harvard, Yale e Notre Dame) e dedicar-se ao cuidado de pessoas deficientes e incapazes numa instituição chamada O Amanhecer (Daybreak), em Toronto, Canadá (essa é uma das noventa comunidades A Arca – instituição fundada pelo canadense Jean Vanier, e onde Nouwen passou os últimos anos da sua vida até 1996).
Antes de ir para Toronto, entretanto, Henri aceitou o convite de um casal de amigos para fazer uma viagem até a Rússia, e a sua primeira reação foi sonhar com a chance de poder contemplar o original do quadro de Rembrandt, conservado no Museu Hermitage em São Petersburgo desde que foi adquirido em 1766 por Catarina, a Grande. E então Henri Nouwen teve o privilégio de visitar o museu, e não só admirar o grande quadro do seu conterrâneo, mas deliciar-se durante mais de quatro horas com a observação da pintura original. Isso aconteceu porque o diretor do museu lhe proporcionou uma visita particular ao quadro, sem o atropelo dos demais turistas e visitantes.
Nouwen já tinha estudado a respeito de Rembrandt e do seu quadro favorito. Mas contemplar a obra original e sentir as diversas mensagens que os detalhes do quadro transmitem foi uma experiência única.
O resultado disso tudo é o livro “A Volta do Filho Pródigo”, que Henri Nouwen completou quatro anos após ter visitado o Hermitage.
O livro é de uma leitura realmente emocionante. O leitor acompanha o raciocínio do autor ao examinar e se deixar envolver pela obra de Rembrandt. Não sem razão, a edição brasileira traz na capa a reprodução do quadro “A Volta do Filho Pródigo”, porque o leitor é levado a parar a leitura do livro e voltar a contemplar os detalhes de que fala o autor, e sentir também o toque da mensagem da parábola.
Pelo que eu escrevi até agora, podem os leitores de IMPACTO concluir que o importante é a obra de Rembrandt ou o livro de Henri Nouwen, pensando que negligenciei a própria parábola de que fala o livro. Não, meus amigos, tanto o quadro do pintor holandês quanto o livro do autor holandês são sobre a grande e maravilhosa terceira parábola do capítulo 15 de Lucas. Já ouvi alguém dizer que o capítulo 15 de Lucas conta a história dos “perdidos” – uma ovelha perdida, uma moeda perdida e um filho perdido.
Na verdade a parábola do filho pródigo não é a história de um filho perdido, é a história de dois filhos perdidos. Um perdido, no que nós chamamos no jargão evangélico de “mundão”, e o outro também perdido, só que dentro de casa, dentro da igreja.
Penetrando profundamente na parábola, Nouwen se coloca, ele mesmo, primeiro como o Filho Pródigo, o filho mais moço, que esbanjou e perdeu tudo o que tinha, mas que não perdeu a consciência de que ele ainda era filho e tinha um Pai. Na pintura de Rembrandt, o jovem está praticamente sem nada, andrajoso e descalço, com a cabeça raspada, MAS conserva ainda a sua espada – único traço da pouca dignidade que lhe restava, mas que era um elo a ligá-lo à nobreza do seu Pai.
Depois disso, o autor se coloca na posição do Filho Mais Velho, o que não saiu de casa. Nascido e criado num ambiente cristão, irmão mais velho de uma família, obediente aos pais e aos professores, Nouwen se identifica também com o Filho Mais Velho, representado na pintura de Rembrandt numa cena que não é fiel à narrativa bíblica (o irmão mais velho não presencia o encontro do seu irmão mais novo com o pai), mas que de propósito está ali, de pé, como observador crítico, em quem se pode perceber o ciúme, a inveja, o ressentimento, sentimentos próprios de quem se considera “justo”, cuja incidência Jesus tantas vezes condenou nos fariseus da sua época.
Por fim o autor se coloca na posição do Pai e explica que essa é a vocação de todos nós. Mesmo que tenhamos nos desviado inicialmente indo para o mundo, ou que nos tenhamos desviado mesmo permanecendo em casa, nossa vocação é chegarmos à posição do Pai. A tendência dos filhos é que se tornem pais. E o Pai da parábola é todo amor, é todo carinho, todo ternura, todo amparo. O manto vermelho do Pai da pintura sugere as asas protetoras do pássaro fêmea, lembrando as palavras de Jesus em Mt 23.37-38 a respeito de como ele gostaria de proteger Jerusalém. Os olhos do Pai parecem fechados, como que não olhando para o que o filho fez no passado, e como na parábola de Jesus, esse Pai não faz perguntas nem exige um relatório. Ele só quer receber e abraçar os seus filhos.
“A pergunta não é ‘Como posso encontrar Deus?’, mas ‘Como me deixar conhecer por Deus?’ E finalmente a indagação não é ‘Como devo amar a Deus?’, mas ‘Como devo me deixar amar por Deus?’ Deus está olhando a distância, procurando por mim, tentando me encontrar e desejando me trazer para casa. Em todas as três parábolas que Jesus narra em resposta à questão por que ele come com os pecadores, ele põe ênfase na iniciativa divina. Deus é o pastor que vai à procura da ovelha perdida. Deus é a mulher que acende uma lâmpada, varre a casa e procura em todo o lugar pela moeda perdida até que a encontre. Deus é o pai que vigia os filhos e espera por eles, corre ao seu encontro, abraça-os, insiste com eles, pede e suplica que venham para casa”.
Fonte: http://www.geracaojusta.com/estudos.asp?id=14
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