domingo, 10 de março de 2013

26 A Volta do Filho Pródigo

Dois holandeses separados por três séculos: Rembrandt – grande pintor barroco do século XVII – e Henri J. M. Nouwen – teólogo, escritor do séc. XX. O encontro desses dois homens acontece de maneira curiosa e interessante, e como resultado produz um livro pequeno – pouco mais de 150 páginas na sua versão em português – e impactante. É lindo, brilhante, profundo, pleno de experiências vividas pelo próprio autor, além de apresentar um dos mais categorizados comentários sobre a bela parábola de Lucas 15.

Henri J. M. Nouwen conta que no outono de 1983, numa cidadezinha francesa chamada Trosly, em visita ao escritório de uma amiga, ele viu um pôster reproduzindo o quadro “A volta do Filho Pródigo”, de Rembrandt, que “retratava um homem envolto num amplo manto vermelho tocando afetuosamente o ombro de um jovem andrajoso, ajoelhado diante dele”. Nouwen diz que não conseguia deixar de olhar para aquele pôster, atraído pela mensagem que aquela obra de arte lhe transmitia. Verificando o seu interesse pela obra, a sua amiga lhe perguntou se ele gostava. Respondeu que “é bonito, mais do que isso... dá-me vontade de chorar e rir ao mesmo tempo... não sei dizer o que sinto quando o contemplo, mas me toca profundamente”. Sua amiga lhe disse que era relativamente fácil adquirir uma reprodução como aquela em Paris, sugestão que ele aceitou. Tendo comprado o seu próprio pôster, passou a admirá-lo no seu próprio ambiente de trabalho.

Muita coisa aconteceu na vida de Henri antes e depois de ter admirado e adquirido o pôster do quadro de Rembrandt. Houve acontecimentos muito importantes na sua vida, culminando com a sua decisão de largar as cátedras que ocupava nas universidades americanas (Harvard, Yale e Notre Dame) e dedicar-se ao cuidado de pessoas deficientes e incapazes numa instituição chamada O Amanhecer (Daybreak), em Toronto, Canadá (essa é uma das noventa comunidades A Arca – instituição fundada pelo canadense Jean Vanier, e onde Nouwen passou os últimos anos da sua vida até 1996).

Antes de ir para Toronto, entretanto, Henri aceitou o convite de um casal de amigos para fazer uma viagem até a Rússia, e a sua primeira reação foi sonhar com a chance de poder contemplar o original do quadro de Rembrandt, conservado no Museu Hermitage em São Petersburgo desde que foi adquirido em 1766 por Catarina, a Grande. E então Henri Nouwen teve o privilégio de visitar o museu, e não só admirar o grande quadro do seu conterrâneo, mas deliciar-se durante mais de quatro horas com a observação da pintura original. Isso aconteceu porque o diretor do museu lhe proporcionou uma visita particular ao quadro, sem o atropelo dos demais turistas e visitantes.

Nouwen já tinha estudado a respeito de Rembrandt e do seu quadro favorito. Mas contemplar a obra original e sentir as diversas mensagens que os detalhes do quadro transmitem foi uma experiência única.

O resultado disso tudo é o livro “A Volta do Filho Pródigo”, que Henri Nouwen completou quatro anos após ter visitado o Hermitage.

O livro é de uma leitura realmente emocionante. O leitor acompanha o raciocínio do autor ao examinar e se deixar envolver pela obra de Rembrandt. Não sem razão, a edição brasileira traz na capa a reprodução do quadro “A Volta do Filho Pródigo”, porque o leitor é levado a parar a leitura do livro e voltar a contemplar os detalhes de que fala o autor, e sentir também o toque da mensagem da parábola.

Pelo que eu escrevi até agora, podem os leitores de IMPACTO concluir que o importante é a obra de Rembrandt ou o livro de Henri Nouwen, pensando que negligenciei a própria parábola de que fala o livro. Não, meus amigos, tanto o quadro do pintor holandês quanto o livro do autor holandês são sobre a grande e maravilhosa terceira parábola do capítulo 15 de Lucas. Já ouvi alguém dizer que o capítulo 15 de Lucas conta a história dos “perdidos” – uma ovelha perdida, uma moeda perdida e um filho perdido.

Na verdade a parábola do filho pródigo não é a história de um filho perdido, é a história de dois filhos perdidos. Um perdido, no que nós chamamos no jargão evangélico de “mundão”, e o outro também perdido, só que dentro de casa, dentro da igreja.

Penetrando profundamente na parábola, Nouwen se coloca, ele mesmo, primeiro como o Filho Pródigo, o filho mais moço, que esbanjou e perdeu tudo o que tinha, mas que não perdeu a consciência de que ele ainda era filho e tinha um Pai. Na pintura de Rembrandt, o jovem está praticamente sem nada, andrajoso e descalço, com a cabeça raspada, MAS conserva ainda a sua espada – único traço da pouca dignidade que lhe restava, mas que era um elo a ligá-lo à nobreza do seu Pai.

Depois disso, o autor se coloca na posição do Filho Mais Velho, o que não saiu de casa. Nascido e criado num ambiente cristão, irmão mais velho de uma família, obediente aos pais e aos professores, Nouwen se identifica também com o Filho Mais Velho, representado na pintura de Rembrandt numa cena que não é fiel à narrativa bíblica (o irmão mais velho não presencia o encontro do seu irmão mais novo com o pai), mas que de propósito está ali, de pé, como observador crítico, em quem se pode perceber o ciúme, a inveja, o ressentimento, sentimentos próprios de quem se considera “justo”, cuja incidência Jesus tantas vezes condenou nos fariseus da sua época.

Por fim o autor se coloca na posição do Pai e explica que essa é a vocação de todos nós. Mesmo que tenhamos nos desviado inicialmente indo para o mundo, ou que nos tenhamos desviado mesmo permanecendo em casa, nossa vocação é chegarmos à posição do Pai. A tendência dos filhos é que se tornem pais. E o Pai da parábola é todo amor, é todo carinho, todo ternura, todo amparo. O manto vermelho do Pai da pintura sugere as asas protetoras do pássaro fêmea, lembrando as palavras de Jesus em Mt 23.37-38 a respeito de como ele gostaria de proteger Jerusalém. Os olhos do Pai parecem fechados, como que não olhando para o que o filho fez no passado, e como na parábola de Jesus, esse Pai não faz perguntas nem exige um relatório. Ele só quer receber e abraçar os seus filhos.

“A pergunta não é ‘Como posso encontrar Deus?’, mas ‘Como me deixar conhecer por Deus?’ E finalmente a indagação não é ‘Como devo amar a Deus?’, mas ‘Como devo me deixar amar por Deus?’ Deus está olhando a distância, procurando por mim, tentando me encontrar e desejando me trazer para casa. Em todas as três parábolas que Jesus narra em resposta à questão por que ele come com os pecadores, ele põe ênfase na iniciativa divina. Deus é o pastor que vai à procura da ovelha perdida. Deus é a mulher que acende uma lâmpada, varre a casa e procura em todo o lugar pela moeda perdida até que a encontre. Deus é o pai que vigia os filhos e espera por eles, corre ao seu encontro, abraça-os, insiste com eles, pede e suplica que venham para casa”.

Fonte: http://www.geracaojusta.com/estudos.asp?id=14

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