sexta-feira, 30 de agosto de 2013

TC 21 6 Sexta - Com as mãos vazias!

Parábola das Dez Virgens, no Codex Purpureus Rossanensis, séc. VI. Notar como a Festa de Núpcias acontece no Paraíso, com os 4 rios e as árvores cheias de frutos. Interessante também, neste manuscrito, o fato de que, na parte de baixo, apareçam personagens bíblicos que "apontam" para o mistério com seus textos proféticos.
Não podemos esconder, nem de nós mesmos, que a parábola das «dez virgens» (Mt 25,1) nos deixa sempre um pouco desconcertados, e ainda mais, profundamente perturbados. De fato, dar-nos conta de que cinco destas moças permanecem de fora, no escuro e na tristeza, enquanto dentro se festeja tão alegremente, deixa-nos com um amargo na boca. E, ainda por cima, foi o Esposo que chegou tarde e, não obstante tudo, estas pobres moças correram na noite a procurar o óleo. O ponto que permanece inquietante é que as outras cinco – a que se reconhece o privilégio de serem sábias – não compartilharam o seu óleo e parecem não experimentar nenhum tipo de constrangimento diante de do fato de que suas amigas ficaram de fora da festa. As parábolas são parábolas! Porém não podem, como não devem, tornarem-se sistemas dogmáticos! O que talvez não funcionou no coração das jovens é o que nos será contado melhor na parábola seguinte, e com a qual, amanhã, concluiremos a leitura anual do Evangelho de Mateus.

Afresco do Mosteiro Decani, no atual Kosovo, Servia. séc. XIV.
A tolice desta moças, que se encontram diante de uma «porta» rigorosamente «fechada» (25,10), frequentemente é também a nossa falta de sabedoria, que exige uma certa previdência. Esta tolice consiste no pensar mais em fazer uma boa imagem diante do esposo que chega, a tal ponto de correr desesperadamente em busca do óleo, mais que colocar em primeiro lugar a preciosidade de estar lá quando, cedo ou tarde, o esposo chegará. O que arrisca faltar-nos é o óleo da confiança, e por isso andamos continuamente à procura do óleo da aparência. Mesmo que as outras moças tivessem compartilhado com elas o óleo trazido consigo «em pequenos vasos» (25,4), ainda assim não teria sido o seu óleo! Por isso a coisa mais simples teria sido aquela de esperar a chegada do Esposo com mãos vazias e coração pobre, apresentando-se a ele na própria verdade... talvez não teriam ficado para fora! O apóstolo Paulo conclui a sua exortação com um conforto fundamental: «... mas Deus mesmo, que vos doa o seu Santo Espírito» (1Ts 4,8). É esta a reserva de óleo puríssimo e necessário, que não podemos ir comprar dos «vendedores» (Mt 25,9), mas que o Esposo, chegando no coração das nossas noites pode derramar como dom nos nossos corações, porque o desejo e o amor não se apaguem. Portanto, para que isto possa acontecer, é necessário ter a coragem e a simplicidade de esperá-lo, mesmo que, e sobretudo, de mãos vazias... com o coração humilde e sincero. São dez as virgens, convidadas para as núpcias, que esperam o Esposo. Neste número que remete à algo completo, compreende-se que toda a humanidade é convidada a entrar na vida íntima de Deus. Pode-se compartilhar a espera, mas o desejo profundo não pode ser senão pessoal, que para ser verdadeiro, deve saber colocar diante do Senhor toda a nossa pobreza, que Ele, como Esposo generoso e fiel, é capar de cumular e derramar até transbordar.
Paarábola da vigilãncia, têmpera sobre madeira (2x1,5 mt), 2003. Mosteiro da Ressurreição, Ponta Grossa PR
Senhor Jesus, estamos diante de ti com as nossas mãos vazias, e do profundo de nosso coração, também nós gritamos: «Abre-nos!» Abre a tua mão e derrama no nosso coração o óleo preciosíssimo daquele Espírito que nos faz viver na plena confiança de sermos acolhidos, mesmo se o nosso coração nos parece assim tão vazio e pobre.

Semeraro, M., La messa quotidiana, Bologna, agosto 2013, 606-608.

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Batistério de Parma - A porta Oeste - Juízo Final

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Batistério de Parma, Séc. XII-XIV, Reggio Emilia, Itália
O batistério do Duomo de Parma merece uma vida inteira de estudos, pois é um dos poucos conjuntos que chegaram até nós, muito modificado, mas conservando uma considerável quantidade de obras de arte do período medieval, no qual foi elaborada esta forma. Como costuma acontecer neste período, não se faz simplesmente uma construção e depois se pergunta que vamos colocar nela. Existe já uma Tradição que orienta as formas e os programas iconográficos, que é utilizada com grande liberdade e criatividade. Escolhemos um dos três portais que tem este batistério, aquele ocidental, para mostrar um exemplo de programa para uma porta de igreja.
A temática desta porta é a do Juízo Universal, praticamente a mesma da parede frontal da Capela Sistina, alguns séculos mais tarde. Bastante evidente a figura do Juiz Bondoso e Justo, o Cristo, com proporções gigantescas em relação a todo o conjunto de personagens. Ele aparece mostrando os sinais da Paixão impressos em seu corpo, as Santas Chagas gloriosas, e os anjos ostentam os instrumentos da mesma, com todo o respeito (mãos cobertas com um véu). Ao seu redor, sentados nos galhos da Vinha, os doze apóstolos que intercedem por nós no Juízo. A visão deste Juízo é a de que o preço de nossos pecados já foi pago pelos sofrimentos do Senhor! Então de quê se trata o julgamento? Segundo o texto do Evangelho, no aceitar esta redenção oferecida por Cristo! Só isto? Alguns detalhes precisam ser esclarecidos...
Antes do Juízo, é preciso despertar os que dormem na morte. Os anjos com as trombetas chamam todos os mortos, de todos os tempos, e a terra e as sepulturas devolvem os mortos. Note-se que sob os pés do Senhor está um rio, que é o Jordão, que separava o tempo do deserto e peregrinação da Terra Prometida, que será o símbolo do Paraíso.
Despertam todos, bons e menos bons... todos nus, pois a nudez tem relação com o nascimento e a morte, no caso serve para mostrar que estão mortos e estão nascendo de novo, e também, que diante da morte, todos somos iguais.
Do lado direito do Senhor, despertam os benditos, e se nota que o são, primeiro pela sua atitude, rostos tranquilos, mãos abertas ou juntas, que são dois modos de orar. Digno de nota é o fato de que eles sejam 8, pois este número está ligado à Ressurreição do Senhor, acontecida no oitavo dia da semana, o domingo de Páscoa, que marcará o início dos tempos do Reino. Por isso as fontes batismais costumavam ter oito lados, assim como os batistérios, como este que estamos contemplando.
Do lado esquerdo do Senhor, os malditos... são mais rígidos que os benditos, tem rostos mais duros, e as mãos estão fechadas, são em número de 7 que é a perfeição, eles estão ligados ao tempo cronológico e não do Reino. O pior de tudo é que o sete, ligado à maldição, dá um caráter irreversível à situação.
O quê distingue esses dois grupos? O terceiro personagem dos malditos nos ajuda a entender, ele aponta para cima, mas não olha na direção, como que perguntando ao outro ou a si mesmo: quem é aquele lá?
No batente da direita do Senhor, vemos o critério do Juízo: as boas obras! enumeradas em seis, que é o número dos dias de trabalho em uma semana.

Notemos um detalhe importantíssimo: é sempre o mesmo personagem que realiza as boas obras, o homem com barbas e cabelos longos, com túnica, manto. O mesmo que aparece do outro lado na parábola dos operários da vinha! Este personagem não está entre os ressuscitados acima... pois todos são imberbes e tem cabelos curtos como as crianças. Quem é este personagem? Não pode ser outro que o mesmo Senhor! 

No primeiro milênio do cristianismo e um pouco dos séculos XII e XIII ainda é viva a reflexão de que quando um cristão faz uma obra boa ao outro, não é ele que a faz, mas o Cristo nele! Ele é somente um instrumento do Senhor. Praticamente é o inverso de uma aplicação moralista do texto evangélico, na qual seríamos obrigados a ajudar os outros, por uma obrigação que condicionaria nossa salvação. As boas obras ajudam o cristão a experimentar Cristo dentro dele mesmo, e consequentemente, a conhecê-lo. O texto do Evangelho fala de obras, realizadas ou não, sem a consciência de que se fazia para Ele. O Senhor nos coloca em guarda, para que não privilegiemos os "bons sentimentos" em detrimento da ação concreta para aquele que precisa. 
A parábola de Mateus 20,1-16 é apresentada também em seis voltas dos ramos da vinha, representando as seis horas em que o Senhor da Vinha busca operários para trabalhá-la. O da primeira hora é pequeno, pois representa aqueles que servem ao Senhor desde criança. Aqueles da segunda, são maiorzinhos.


Os das últimas horas são adultos, e é notável que nas duas últimas voltas o Senhor toca a Vinha com sua mão direita. Se são os seis dias da semana, então são a Sexta feira e o Sábado, período mais intenso da sua Paixão, morte e sepultura.

O "pagamento" não é o merecido, mas o concedido, e isso provoca murmuração entre os primeiros, que queriam ganhar mais que os da última hora. Seja o batente das boas obras, seja este, revelam um Deus que não segue os parâmetros racionais, e que é mais humano que os humanos. Tudo é Graça, tudo é de graça, somente que para entrar nesta dinâmica, precisamos nos "revestir" de Cristo, a Divina Graça. A Salvação é gratuita, mas é preciso buscá-la onde se encontra: fora, no Cristo que sofre no outro, e dentro, no deixar que Ele realize a obra, através de meu ser.
Os 12 apóstolos (incluído Matias no extremo esquerdo) estão na faixa externa do semi círculo, e o quê faz São Paulo dentro? Dado que ele está do lado dos Benditos do Pai, e preciso buscar a razão bíblica de sua presença nesta área, já que na arte medieval não encontramos arbitrariedades... ICor 13 pode nos dar uma chave: o hino da caridade, que afirma que tudo passará, menos a caridade. "No horizonte desta vida seremos julgados sobre o amor!", diz São João da Cruz, e este portal inteiro não diz outra coisa que isto.
Batistério, porta Norte, dedicada os Mistérios da vida de Cristo.
Como dizíamos, no início, o conjunto do Batistério de Parma oferece material para muito estudo, mas sobretudo para reflexão e oração com os olhos, pois as coisas mais importantes são aquelas que não entendemos...
Com a mesma Graça do Senhor, esperamos oferecer outras visitas a este santo e belo lugar!