sábado, 19 de março de 2016

S. José da boca fechada

José é um daqueles seres que me dão medo, e não porque sejam maus e perigosos ou de uma superioridade esmagante, mas porque me parecem misteriosos, como o próprio Deus. José, o homem da boca fechada, o homem interior! Se pelo menos tivesse dito alguma coisa, uma palavra, poderíamos talvez adivinhar o fundo de sua alma, o senso da sua estranha vida. Mas ao contrário, não temos nada, nem no momento da tempestade, do “temporal”, como dizem os nossos irmãos gregos, nem na ocasião do nascimento do Menino, nem em Jerusalém, quando avançava tranqüilamente com as duas rolinhas de nada, que serviriam para resgatar o Cordeiro... Está simplesmente ali, parado, com os grandes olhos, doces e tranqüilos, ainda mais arregalados, ou talvez iguais aqueles de sua cara esposa, permanecendo a escutar o canto do velho Simeão, que está no limiar de morrer, não tendo mais nenhuma razão de continuar desde o momento que viu... Nada no momento da fuga para o Egito, e nada em Nazaré, nem mesmo quando o Menino foi perdido. E depois, absolutamente nada... o desaparecimento total e definitivo, na ponta dos pés, como os grandes tímidos que não querem que se lhes preste atenção, que se fale deles. Sim, tudo isto dá muito o que pensar!

            As primeiras eras do cristianismo não buscaram fender este silêncio. Somente Bernardo colocará uma tímida pergunta: “Quis? Qualis?” “Quem é? Que homem é?” Nada mais. Será necessário esperar os tempos modernos para que todos queiram saber alguma coisa, e até mesmo se abra uma cátedra de “Josefologia” (mas fiquem tranqüilos, que isto é no Canadá!), e José, malgrado toda esta indiscrição , não diz nada, não dirá nada, não fará revelações, permanecerá o homem da boca fechada, o homem do interior. E porque me meto a falar dele? Porque não deixá-lo em seu silêncio, como deixo os peixes no mar? Depois de tudo, se isto lhe agrada, deixa falar e fazer, sem abrir a boca....
            Mas não é dele que quero falar, nem espero que me fale. Quero somente contemplar o seu silêncio, mergulhar nele, impregnar-me dele até o ponto de suplicar que não nos diga absolutamente nada, que não nos apareça nunca...
            José da boca fechada é o homem do interior; faz parte daquela coorte de silenciosos para os quais, falar é perder tempo, é sobretudo trair o Intraduzível, o Inefável. Naturalmente quando estas pessoas dizem alguma coisa, arriscam de fazer tremer o mundo, como Sto. Tomás de Aquino, aquele boi mudo da Sicília, de quem troçavam os estudantes do mestre Alberto, na Universidade de Paris.
            José da boca fechada é o homem que começa onde Jó terminou, quero dizer, nasce com a mão tapando a boca. Tem um senso enorme de Deus, do seu Ser sem medida e de sua loucura de Amor. Não o vejo pedindo explicações ao Inexplicável. A única vez na qual penetra o mundo da dúvida, quis unicamente desaparecer, sem nenhuma palavra: “Vai, amada minha!” O anjo de Deus simplesmente lhe deu um empurrão. Depois de tudo, José é um homem: “Não temas pois de tomar Maria como esposa; o que nela foi gerado é obra do Espírito Santo!” (Mt 1, 20).
            Depois do retorno do Egito, José desaparece. Acreditem-me: esta morte, este transitus do beato José não tem nada de triste. Não houve nenhuma declaração, nada de novissima verba desde o momento que tampouco houveram priora verba. O seu silêncio é o mesmo de Deus. É cheio da violência do Amor.
L. –A. Lassus, L. –A., Pregare è una festa, 80-82.


sábado, 12 de março de 2016

Os modos do jejum

Detalhe do mural "Árvore da Vida" Paróquia São Sebastião, Ponta Grossa, PR, 1991.
Precioso diante de Deus é o jejum puro: ele guardado como um tesouro no céu, é uma armadura contra o maligno e um escudo contra as flechas do inimigo. Não digo isto a partir de minha inteligência, mas das Sagradas Escrituras, que nos mostraram, anteriormente, como o jejum seja útil em todo o tempo, para aqueles que jejuam de modo autêntico.
O jejum, de fato, meu querido, não é somente abster-se de pão e água, mas existem muitos modos de observar o jejum…
Há quem jejue colocando um freio em sua boca, para não dizer coisas terríveis que machucam tanto, e quem jejue da ira e reprima o seu instinto para que este não prevaleça sobre ele.
Existe quem jejue de possuir para escapar de ser escravo das coisas, e quem jejue de qualquer tipo de travesseiro, para estar vigilante na oração.
Detalhe do mural "Árvore da Vida" Paróquia São Sebastião, Ponta Grossa, PR, 1991.
Há quem, nas aflições, jejue das coisas deste mundo para não ser atingido pelo adversário, e quem jejue permanecendo de coração contrito, para agradar ao Senhor durante a aflição. E também existe aquele que faz de todos estes, um único jejum…
Detalhe do mural "Árvore da Vida" Paróquia São Sebastião, Ponta Grossa, PR, 1991.
Escuta, meu querido, os exemplos de jejum puro. Antes de tudo, de fato, mostraram um jejum puro Abel com sua oferta (cf. Gn 4,3-4), Enoc que agradou ao seu Deus (cf. Gn 5,24; Eclo 44,16; Hb 11,5), Noé que permaneceu íntegro em uma geração corrupta (cf. Gn 6,9), Abraão que foi excelente na fé (cf. Eclo 44,19-21), Isaac pela sua conformação com a Aliança de Abraão (cf. Gn 26,24; Eclo 44,22), Jacó, por causa de sua misericórdia e de sua administração (cf. Gn 50,19-21; 41,38-40). Para todos estes, a sua pureza foi um jejum perfeito diante de Deus. De fato, sem pureza de coração, o jejum não é lhe agradável.
Recorda e vê, meu querido, que coisa excelente seja que um ser humano purifique o seu coração, guarde sua língua e impeça suas mãos de fazer o mal, conforme escrevi acima. Não funciona bem quando alguém mistura mel com absinto. Se alguém jejua do pão e da água, não deve misturar seu jejum com as cobiças e maldições. Uma é a porta de tua casa, que é o templo de Deus, e não está bem, ó homem, que a porta pela qual entra o rei, despeje lodo e podridão.

Afraat, o persa (270-346), Exposições 3,1-2.