domingo, 9 de março de 2014

TQ 01 1 Converter… a suspeita


Pecado da desconfiança, mosaico Basílica de San Marco, Veneza, séc. XII.
A liturgia da Palavra de hoje nos introduz neste tempo quaresmal, ajudando-nos, antes mesmo de fazer um programa de penitência e conversão, a dar-nos conta daquela que é a estrutura fundamental do mal, o seu modo de funcionar. Neste trabalho de compreensão profunda, somos ajudados pelo apóstolo Paulo, o qual, refletindo sobre o mistério do mal, não consegue pensá-lo senão como uma forma de contagio: «Por causa de um só, todos morreram» (Rm 5,15). A pergunta pode surgir espontânea nos nosso coração: «Porque por causa de um todos devem morrer?», e a pergunta se torna ainda mais dramática se, entre estes «todos», muitos são inocentes...! Mas, eis que, justamente enquanto nos estamos fazendo semelhante pergunta, acabamos de cair na armadilha da «serpente» (Gn 3,1), deixando-nos enrolar estreito pelas voltas daquela astúcia que nos torna estultos e deixamo-nos atravessar por aquela suspeita que nos torna escravos do medo.
De fato, a serpente introduz, no mundo e na história, o seu maior motor, que é a pergunta, a capacidade de perguntar e perguntar-se. Poderíamos dizer que é mérito da serpente ter introduzido, na Escritura, pela primeira vez, o ponto de interrogação: e isto é uma graça! Mas, existem dois modos de questionar-se e questionar. Um deles é fundado na suspeita: «... ao contrário, Deus sabe que no dia em que vós comerdes do fruto, vossos olhos se abrirão e sereis com Deus, conhecendo o bem e o mal» (3,5). O outro modo, ao invés, é fundado na confiança, semelhante àquela com a qual a criança pergunta ao próprio pai ou à própria mãe, para orientar-se, gradualmente, no mundo e na vida, com a profunda certeza de que, mesmo as proibições estão a serviço de seu crescimento gradual. O mal e o pecado não são outra coisa que o fruto da suspeita contra Deus e de tudo o que Ele criou, incluídos nós mesmos. O deserto, no qual Jesus «foi conduzido pelo Espírito» (Mt 4,1) é o lugar, o estado, no qual, cada um de nós, não podendo contagiar ninguém, projetando o próprio mal sobre o outro – porque estamos sozinhos – somos chamados a curar do vírus da suspeita, respondendo ao veneno do diabo com o antídoto da memória da Palavra, na qual Deus se revela como Pai cheio de misericórdia e ternura.

Entremos pois, neste tempo sagrado, retomemos o combate espiritual que acompanha toda a vida, armando-nos de confiança, porque «muito mais a graça de Deus, e o dom concedido na graça de um só homem, Jesus Cristo, foi derramada em abundância sobre todos» (Rm 5,15). Deixemo-nos tocar pela confiança e, possivelmente, busquemos contagiar, com a confiança, o mundo no qual somos chamados a mover-nos e vivermos, sem nunca desejar ser mais daquilo que nós somos, sem querer ultrapassar os limites que a natureza e a história nos estipularam, talvez para evitar que façamos muito mal a nós mesmos e aos outros: orientemos todo o nosso desejo a nãos querer ser«como Deus, conhecendo», mas ser «como Deus» conhecendo-nos e amando-nos por aquilo que somos. O caminho da conversão é justamente passar da ilusão que abre toda e cada tentação - «Se tu és...» (Mt 4,3) – à consciência de ser «por graça aquilo» (1Cor 15,10) somos, buscando ser o melhor que pudermos, cada um a sua maneira, um «filho de Deus» como o Senhor Jesus, que confia no Pai, mesmo quando este o abandona a si mesmo. Evitemos o contagio do mal, honrando o nosso limite, não querendo «conhecer» mas compreender, e transformando, deste modo, a suspeita em confiança.

Semeraro, M., La messa quotidiana, marzo, Bologna 2011, 124-126.

Nenhum comentário: