sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Onipotência


Reflexão para a 6a sexta-feira do Tempo Comum
Gn 11,1-9; Sl 32; Mc 8,34-9,1
A última parlavra do Senhor Jesus, que realiza a ponte entre o que acontece em «Cesaréia de Filipe» (Mc 8,27) e aquilo que logo sucederá sobre «um alto monte» (9,2) assume um significado de grande peso: «Em verdade vos digo: alguns dos que aqui estão, não morrerão sem antes terem visto o Reino de Deus chegar com seu poder» (9,1). Pela terceira vez, no evangelho de Marcos, encontramos uma introdução assim tão solene e não podemos esconder um certo embaraço diante desta espécie de promessa de imortalidade, que historicamente coloca seus problemas, como lhe colocará também a Simão Pedro, no que diz respeito à palavra pronunciada pelo Ressuscitado sobre o discípulo amado (Jo 21). Não nos resta senão confiarmo-nos inteiramente ao Senhor, dando-lhe plena confiança, e se o fizermos, somos como que obrigados a rever radicalmente o nosso conceito de «potência». O risco, de fato, é que, no nosso coração, aninhe-se a mesma idéia que domina o coração dos construtores da torre de Babel, os quais se sentem atraídos por uma onipotência, tão invasiva, ao ponto de querer escalar o céu, quase querendo tomar posse do espaço reservado a Deus: «Vamos, contruamos para nós uma cidade e uma torre, cujo cimo atinja o céu. Assim ficaremos famosos e não seremos dispersos por toda a face da terra» (Gn 11,4). Este sonho que hoje definiríamos de globalização – como a forma mais evoluída de possível imperialismo ou de possível comunhão entre povos diversos – parece até mesmo belo e atraente, mas existe um perigo constante e tremendamente grande: o risco está em que o «projeto» (11,6) torne-se, pouco a pouco, mais importante que as pessoas. Uma imagem deste culto das torres pode ser visto no inquietante filme O advogado do diabo, onde o mundo é visto do alto dos arranha-céus, com um ponto de vista duplo: a beleza e o poder! Se é verdade que, daquelas alturas, pode-se gozar a beleza do panorama na sua estupenda união de natureza e cultura – expresa, neste caso, pela arquitetura – torna-se sempre mais claro que «habitar no alto» é um privilégio de quem vive dominando e aproveitando, invisivelmente, da vida dos outros, sem compartilhá-la, mas abusando, sempre e somente, para a própria vantagem, e sem escrúpulos. Estamos no mundo do «contrário», onde as palavras mais belas e os projetos mais atraentes, na realidade, escondem um crescente egoísmo que chega a um individualismo exasperado. Não é desta potência que o Senhor Jesus nos quer tornar participantes, e não é nesta forma de onipotência a que somos chamados, como imitadores de Deus. É toda uma outra coisa: «De que adianta ao homem ganhar o mundo inteiro, se perde a própria alma? E o que pode o homem dar em troca de sua própria alma?» (Mc 8,36-37). A estas duas perguntas, o Senhor responde em primeira pessoa sobre o monte alto de sua transfiguração, que se faz profecia do monte ainda mais alto de seu abaixamento na morte, por amor: é somente esta descida às profundezas, este rebaixamento voluntário, que permite «ressuscitar» (9,10). De fato, é esta pergunta que permanece aberta para os discípulos, na descida do monte. Enquanto em Babel, a humanidade busca elevar-se com suas próprias forças, concentrando, neste projeto, tudo de si, ao ponto de nivelar-se, falando «uma só língua» e usando «as mesmas palavras» (Gn 11,1), o desígnio de Deus, ao invés, é aquele de «recapitular» toda diversidade (Ef 1,10) sem abusar, sem eliminar, de nenhum modo, o outro. Mas Babel está sempre à porta... aninhada na soleira de nosso coração! Desejar ser grandes: tornar famoso um nome é a alma do projeto. A lógica que subjaz é a lógica da onipotência, ter fama, ter sucesso, dominar sobre os outros. A torre do controle: tudo sob controle! Poderíamos ler, aqui, a origem de todo racismo, de todo totalitarismo, de todo sufocamento da diversidade: que desfigura tudo, ao invés de transfigurar!
Fra Michel Davide OSB

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