quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

09 Recomeçar (André Louf)

Não podemos jamais fazer parte daquela categoria de pessoas das quais Jesus disse «que não tem necessidade de conversão» (Lc 15,7) porque se creem justos: pois, em tal caso, não teríamos necessidade de Jesus. Talvez estaríamos ainda no caminho para Deus, mas sozinhos, no sentido mais «solitário» do termo, irremediavelmente sozinhos, continuamente em presa de nós mesmos, sob uma aparência de santidade que buscaríamos, em vão, realizar; estaríamos profundamente frustrados porque não encontraríamos nunca o amor verdadeiro. 

É uma grande ilusão achar-se convertido de uma vez para sempre. Não, não somos nunca simples pecadores, mas pecadores perdoados, pecadores-em-via-de-perdão, pecadores-em-conversão. Não existe outra santidade aqui embaixo, porque a graça não pode agir de modo diferente. Converter-se significa recomeçar sempre esta reviravolta interior, por meio da qual a nossa pobreza humana – aquela que Paulo chama a carne – se volta para a graça de Deus. Da Lei da letra se passa à Lei do Espírito e da liberdade, da ira à graça. Esta reviravolta não termina nunca, porque não faz outra coisa que recomeçar sempre. Santo Antão, o Grande, patriarca de todos os monges, dizia isto, de modo lapidar: «Cada manhã digo a mim mesmo: hoje recomeço». E o Abba Poimén, o mais famoso dos padres do deserto, depois de Antão, quando estava moribundo, estava sendo louvado por ter vivido uma vida beata e virtuosa, que o colocava em condições de apresentar-se a Deus com extrema tranquilidade, respondeu: «Devo começar, estava apenas iniciando a converter-me», e chorou.

A conversão, de fato, é sempre uma questão de tempo: o homem tem necessidade de tempo, e também Deus quer ter tempo conosco. Faríamos uma imagem completamente equivocada do homem se pensássemos que as coisas importantes, na vida de uma pessoa, pudessem realizar-se imediatamente e de uma vez por todas. O homem é feito de tal modo que tem necessidade de tempo para crescer, amadurecer e desenvolver todas as próprias capacidades. Deus o sabe, melhor que nós mesmos e, por isso, espera, não desiste, é indulgente, longânime: «A bondade de Deus te impele à conversão» (Rm 2,4). Não a cólera, mas, ao contrário, “to chrestón”, o seu afeto, a sua bondade, a sua paciência. No prólogo da sua regra, Bento faz um comentário impressionante: Deus está, cada dia, à procura do seu operário, e o tempo que nos dá é “ad inducias”, é uma prorrogação, um dom, um tempo de graça, concedido gratuitamente. É um tempo que podemos utilizar para encontrar Deus, ainda uma vez, para encontrá-lo sempre melhor, na sua estupenda misericórdia. Será somente mais tarde, depois de nossa morte, que poderemos viver fora do tempo, e para sempre. Hoje o tempo nos é concedido para conhecer sempre melhor a Deus: é sempre um tempo de conversão e de graça, dom da sua misericórdia.
A. Louf, Sotto la guida dello Spirito, 11-13.

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