terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

14 A pobreza é a nossa verdade

O ponto de vista, sob o qual se apresenta o ideal de pobreza evangélica, muito frequentemente, partiu de uma visão de ascese mal compreendida, como se fosse um fim em si mesma, e por isso, pseudo-cristã. A partir de tal ótica, a pobreza aparece como um ato forçado, uma espécie de autodestruição, onde o homem se desfaz de um valor postivo para agradar a Deus.

Na realidade, nos encontramos diante da velha imagem pagã de um Deus ciumento, vingativo, que não suporta o bem-estar nem a grandeza dos homens, o Deus que exige uma espécie de automutilação espiritual em oferta à sua glória. É como uma Deus concorrente do homem, e o será sempre, enquanto o ideal da pobreza for interpretado como descida de um grau superior a um grau inferior. Porque, neste cado, a pobreza consiste, simplesmente, no diminuir nossa auto-realização para aumentar a glória de Deus. Glória dúbia, que não ajuda a aumentar as possibilidades de sobrevivência do discurso da montana!

Não, para compreender a profundidade da mensagem evangélica da pobreza, é necessário mudar, radicalmente o ponto de vista. O ideal da pobreza cristã não consiste no desfazer-nos do que somos para chegar ao que não somos ainda. Trata-se, ao contrário, de revirar a nossa situação irreal, para tornar-nos aquilo que somos de verdade. Antes de ser uma ordem, as palavras e o exemplo de Jesus são, antes de mais nada, um apelo. A pobreza não tem valor em si mesma. Para ser um ideal evangélico, é necessário que o espírito de pobreza nos aproxime, mais que outra coisa, daquilo que o homem deve ser para ser plenamente homem, para que chegue à realidade de homem.

No discurso da montanha, Jesus nos fala desta realidade. Trata-se de uma mensagem que se enraiza sobre o solo de nosso ser. Dizendo: «Sede pobres», Cristo diz, em primeiro lugar: «vós sois pobres». É esta a razão substancial do seu preceito. O que devemos fazer não é outra coisa que a consequência do que somos.

A primeira bem-aventurança coincide, além disso, com a tradição dos «pobres de JHWH», que se encontra nos salmos e nos profetas, estes pobres que não colocam a sua esperança em si mesmos, ou na sua potente posição no mundo.

Eles esperam de Deus somente a vida, a salvação, a felicidade. Por isso, a Escritura os louva, e Jesus nos é apresentado como o pobre de JHWH por excelência. Com efeito, a atitude do pobre coloca na luz a verdade do homem.

Ser pobre em espírito quer dizer, antes de tudo: ter consciência da própria pobreza efetiva. Pobres diante de Deus, isto é o que somos. Por isso, a atitude do possuidor é uma atitude falsa, e mentiroso é o espírito de riqueza. Viver como rico é não ver a realidade.

A mensagem da pobreza toca o núcleo da vida, porque nos revela a nossa situação real. E escava muito mais profundamente a aproximação psicológica ou também, ética, do desapego. Trata-se do nível ontológico de nossa existência: o homem é pobre diante de Deus. Pobre, porque recebeu e porque deve receber. A vida, o sentido último da existência, a salvação, tudo o que é dom. Nós somos radicalmente indigentes.

O nosso ser é recebido naquilo que o constitui como ser. Eis a rocha sobre a qual se ergue o evangelho da pobreza.
P. Schmidt, Credo in Dio creatore..., 50-51.

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