sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

10 Perder a vida para ganhá-la

tentação de Cristo, Arcabas, Igreja Saint Hughes de Chartreuse :
«Converter-se» quer dizer: seguir Jesus, andar com Ele, no seu camino. Mas insistimos ainda sobre o fato de que seja Deus a nos converter. A conversão não é uma auto-realização do homem, e o homem não é o arquiteto de sua própria vida. A conversão consiste, essencialmente, nesta decisão: o homem deixa de ser seu criador, cessa de buscar somente a si mesmo e a sua auto-realização, mas aceita que esta dependência seja a verdadeira liberdade, e que a liberdade da autonomia emancipada do Criador não seja liberdade, mas ilusão e engano. Fundamentalmente, existem somente estas duas possibilidades de opções essenciais: a auto-realização, na qual o homem busca criar-se a si mesmo, para possuir o seu ser completamente, para ter a totalidade da vida exclusivamente por si e a partir de si; Do outro lado, a opção da fé e do amor. Esta opção é, ao mesmo tempo, a decisão pela verdade. Sendo criaturas, não o somos por nós mesmos, nem à partir de nós mesmos; somente se «perdemos» a vida podemos ganhá-la. Estas opções correspondem ao conteúdo das palavras «ter» e «ser». A auto-realização quer ter a vida, porque considra a vida como uma possessão a ser defendida contra os outros. A fé e o amor não pretendem possuir nada contra os outros. A fé e o amor não visam a possessão. São a opção pela reciprocidade do amor, pela magestade da verdade. In nuce esta alternativa corresponde à escolha fundamental entre a morte e a vida: uma civilização do ter é uma civilização da morte, de coisas mortas; somente uma cultura do amor é também uma cultura de vida: «quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas que perder a própria vida... a salvará» (Mc 8, 35).

Podemos dizer, também, que a alternativa entre auto-realização e amor corresponde à alternativa das tentações de Cristo: a alternativa entre o poder terreno e a cruz, entre uma redenção consistente no seu bem estar e uma redenção que se abre e se confia ao infinito amor divino. (...)

«Converte nos, Deus salutaris noster». A rejeição da auto-realização e o primado da graça, resumidos nesta oração, não pretendem um quietismo, mas muito mais, uma força nova e mais profunda da atividade humana. A auto-realização atropela a vida, interpretando-a como uma posse, e assim, coloca-se ao serviço da morte; a conversão é um ato da opção à reciprocidade do amor, a disponibilidade a deixar-se formar pela verdade, para tornar-se «cooperador da verdade», como diz S. João (III Jo 8). Consequentemente, a conversão é o verdadeiro realismo, que nos torna capazes para um trabalho realmente comum e humano. «Converter-se» quer dizer: não buscar o próprio sucesso, não buscar o próprio prestígio, a própria posição. «Converter-se» significa: cessar de construir a própria imagem, não trabalhar para construir um monumento a si mesmo, que termina, frequentemente, por tornar-se um falso deus. «Converter-se» quer dizer: aceitar os sofrimentos da verdade. A conversão exige que, não só geralmente, mas dia por dia, nas pequenas coisas, a verdade, a fé, o amor se tornem mais importantes que a nossa vida biológica, que o nosso bem estar, nosso sucesso, prestígio, nossa «vida tranquila». De fato, sucesso, pretígio, tranquilidade e comodidade são aqueles falsos deuses que, na maioria dos casos, impedem a verdade e o verdadeiro progresso na vida pessoal e na vida social. Aceitando esta prioridade da verdade, seguiremos o Senhor, tomaremos a nossa cruz e participaremos da cultura do amor, que é a cultura da cruz.
J. Ratzinger, Il cammino pasquale, pp. 19-20.

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