segunda-feira, 13 de maio de 2013

TP 07 2 A memória, atividade própria do Espírito

Pentecostes, Orcagna, 1365, Firenze, Itália.
Que o Espírito habite, não ao lado da Palavra, mas nela mesma, João o sublinhou com força quando designou a memória como atividade própria do Espírito na história.O Espírito Santo não fala de si mesmo, mas «do que é meu», diz Jesus (Jo 16,14). Ele se reconhece pela sua fidelidade à Palavra uma vez pronunciada. João construiu paralelamente sua cristologia e sua doutrina sobre o Espírito, de modo rigoroso. Também o Cristo, de fato, se caracteriza pelo fato que pode dizer: «A minha doutrina não é minha» (Jo 7,16). E este esquecimento de si mesmo o contradistingue, o fato de que não dê testemunho de si mesmo lhe dá credibilidade diante do mundo. O Anticristo, a contrário, é reconhecido porque fala em seu próprio nome. O mesmo vale para o Espírito Santo: Ele se revela como Espírito Trinitário, Espírito de Deus em três pessoas, e isso acontece justamente porque Ele não aparece por si mesmo, separado e inseparável, mas desaparece no Pai e no Filho. A impossibilidade de desenvolver uma pneumatologia, uma ciência do Espírito em si mesma, depende de sua própria natureza. João formulou decisivamente estas afirmações, no meio da lutas de seu tempo, como um sinal que distingue o Espírito do Antiespírito. Os grandes mestres da gnose suscitavam muito interesse porque falavam em seu próprio nome e se construíam um próprio nome. Eles impressionavam muito porque tinham alguma coisa de novidade, de diferente a dizer, além da Palavra, por exemplo, que Jesus não estava realmente morto, mas dançava com os discípulos, enquanto os homens acreditavam que ele estava suspenso na cruz. A tais novidades gnósticas, a afirmações que não se baseavam senão em seus próprios autores, o quarto evangelho contrapõe, conscientemente, o plural eclesial, o desaparecer daquele que fala por detrás do «nós» eclesial, que, na realidade dá ao homem o seu verdadeiro rosto, e lhe impede de dissolver-se no nada. Nas cartas de João, segue-se o mesmo modelo: o autor se define simplesmente «ancião», enquanto o seu adversário é o proagon, aquele que vai à frente (cf. 2Jo 9).

Todo o evangelho de João, assim como as cartas, não pretendem ser senão uma mobilização da memória, e é neste sentido que é o evangelho do Espírito Santo. E é nesta medida, na qual não se inventa um novo sistema, mas recorda, interiorizando, ele é fecundo, novo e profundo. A natureza do Espírito Santo, unidade do Pai e do Filho, é o esquecimento de si mesmo; nisto consiste a memória. É a autêntica renovação. Uma Igreja pneumática é uma Igreja que, recordando, penetra mais profundamente na Palavra, tornando-se assim, mais viva e rica. Verdadeiro esquecimento de si mesma, desapego para «entrar no Tudo»: eis o contrasinal do Espírito, reflexo da sua natureza trinitária.

J. Ratzinger, Le Dieu de Jésus Christ, 118-120.

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