quarta-feira, 6 de março de 2013

22 Na espera de Deus

Ceia, Paróquia São Vicente Pallotti, Arapongas, Paraná Brasil.
O jejum deveria ser praticado em dois níveis: antes de mais nada, como jejum ascético; e depois, como jejum total. O jejum ascético consiste em uma drástica redução do alimento, de modo que, um estado permanente de uma certa fome possa ser vivido, como uma lembrança de Deus e um esforço constante de manter nossa mente orientada para ele. Quem quer que o tenha praticado, ainda que por um pouco, sabe que o jejum ascético, ao invés de enfraquecer-nos, torna-nos leves, unificados, sobrios, alegres e puros. Então se recebe o alimento como verdadeiro dom de Deus. Encontramo-nos constantemente orientados para aquele mundo interior que, de modo inexplicável, torna-se, por si mesmo, uma esécie de alimento. No que se refere à quantidade, à frequência e à qualidade do alimento a ser tomado no período do jejum ascético, não é o caso de discutir aqui; tudo depende das nossas capacidades individuais e das condições exteriores da vida de cada um. Mas o princípio é claro: trata-se de um estado de semi-fome, cuja natureza «negativa» é sempre transformada em força positiva pela oração, pela memória, pela atenção e concentração.

Quanto ao jejum total, ele deve ser, necessariamente, limitado na sua duração e ligado com a eucaristia. O essencial é vivê-lo como espera, esperança, fome de Deus. Trata-se de concentrar-se espiritualmente sobre o que está por vir, sobre o dom que se vai receber, e pelo qual, um está disposto a renunciar a todos os outros dons.

Devemos lembrar que o nosso jejum, ainda que limitado, se é um verdadeiro jejum, conduzirá às tentações, à fraqueza, às dúvidas e à irritação. Em outras palavras, será uma autêntica luta e provavelmente, sucumbiremos muitas vezes. Mas, justamente a descoberta da vida cristã como luta e esforço é o aspecto essencial do jejum. Uma fé que não superou as dúvidas e a tentação é, raramente, uma fé autêntica. Infelizmente, nenhum progresso é possível, na vida cristã, sem a amarga experiência do insucesso. Muita gente começa o jejum com entusiasmo, e depois o abandona no primeiro fracasso. Diria que é exatamente no primeiro insucesso que acontece a primeira vitória. Se, depois de ter cedido e ter dado livre curso aos apetites e às paixões, conseguimos retomar do início, sem abandonar o propósito, não importa quantas vezes venhamos a cair, mais cedo ou mais tarde, o jejum produzirá os seus frutos espirituais. Entre a santidade e o cinismo desencantado existe lugar para a maior e divina virtude da paciência, paciência consigo mesmo, principalmente. Não existe atalho para a santidade; para cada passo, devemos pagar o preço inteiro. Assim, é preferível, e mais seguro, iniciar com um mínimo, apenas um pouco acima das nossas possibilidades naturais, e incrementar, pouco a pouco, o nosso esforço, muito mais que tentar saltar demasiadamente alto, no início, e quebrar-se, caindo por terra.

Em poucas palavras: de um jejum simbólico e formal, o jejum entendido como obrigação e costume, devemos fazer o retorno ao verdadeiro jejum, ainda que seja limitado e modesto, mas efetivo e sério. Coloquemo-nos, com honestidade, diante das nossas capacidades físicas e espirituais, e tomemos a atitude consequente, recordando, porém, que não existe jejum que não seja um desafio a estas capacidades, e que não introduza, na nossa vida, uma prova divina de que as coisas impossíveis aos homens são possíveis para Deus.

A. Schmemann, La grande Quaresima,106-107.

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