domingo, 17 de março de 2013

33 A força do perdão

Toda relação humana tem sua história, seu desenvolvimento, os seus períodos, suas crises. E isto tanto mais é verdade quanto mais ela é viva; porque tanto mais os dois estão próximos, a ação de um toca o outro imediata e diretamente. Assim que é fácil ferir-se. Então se decide: se a relação não Poe continuar, ela se dissolve; mas se aquele que foi ferido tem a força de ir até o fundo da raiz da relação, pode dar-lhe, a partir de lá, um novo início. Não se pode retomar simplesmente como era antes; se a ligação permanece viva, deve tornar-se maior. Isto significa, então, perdão criador.

Mas também, se não acontece um verdadeira ofensa, uma ferida real, não sucede que, em toda relação humana, em dado momento, um dê nos nervos do outro, simplesmente por ser como é? Nós mesmos não criamos o outro, apenas o encontramos...

Nenhuma relação pode prosperar se não se está disposto a deixar que o outro seja aquilo que é; e a superar continuamente, com o espírito de perdão, as dificuldades inerentes ao seu ser e a colher, de tal modo, a substância do que a relação significa.

Mas isto não que dizer que tratemos de igual modo o bem e o mal? Que digamos que o que é justo não é mais justo, e o que é errado não é mais errado? Que desculpemos o mal na conduto do outro, para simplificar um pouco a vida? Certamente, não. Se foi cometido um erro, permanece um erro, e o que não era justo, permanece injusto. O verdadeiro perdão só pode vir da verdade. Mas ele de ser mais forte que a verdade – até mesmo: mais forte que a realidade. Originado pelo espírito de amor, deve dominar a desilusionante realidade, como Deus dominou nossos pecados. Ele reconheceu o homem, que lhe desconcertou a criação, em toda sua realidade malvada: mas a acolheu de novo no seu amor, guiando-o no reino da redenção: igualmente devemos também nós acolher continuamente no amor, através do perdão, as criaturas a nós confiadas, isto é, as pessoas com as quais tratamos.

Naturalmente, nossa força pessoal sozinha não basta: e é preciso lembrar-se sempre disto. Se alguém diz: Eu não posso perdoar o outro naquilo que ele me fez – a justa resposta não é: «tu deves faze-o, portanto esforça-te!» --, mas: Cristo te obteve do Pai o grande perdão; nele tu podes conseguir aquela força para exercitar o teu pequeno perdão. Somente na união com aquele que nos resgatou de nossa culpa, podemos conceder com aquela do próximo, de outra maneira, o perdão se deforma em prudência e diplomacia.

As grandes atitudes cristãs podem ser sempre interpretadas em sentido secularista: da esperança se deduz a confiança em um futuro melhor; da humildade, a discrição, da preocupação pelo Reino de Deus, o trabalho no campo da civilização e assim por diante. Assim acontece também com o perdão, quando procede somente do humano: torna-se pura disposição a superar, por amor da convivência, o que aconteceu. O perdão, do qual fala a oração do Senhor, pretende outra coisa e muito mais alta; mas isto pode realizar-se somente se atiram-se as suas raízes lá onde o ato tem origem, isto é, na atitude de Cristo, que nos liberou o perdão do Pai.

R. Guardini, Preghiera e verità , pp. 158. 160-161.

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