quinta-feira, 28 de março de 2013

44 Obediente até a morte de Cruz


Crucifixão branca, Marc Chagall, séc. XX.


O Deus que ressuscitou Jesus dos mortos é o mesmo que o «entregou» à morte de cruz. Já no abandono da cruz, quando Jesus invoca «por quê?», Paulo vê a resposta a este grito: «Ele que não poupou o seu próprio Filho, mas o deu por todos nós, como não nos dará todas as coisas, junto com Ele?» (Rm 8,32). O Pai, como Paulo ressalta, abandonou e entregou à morte o «próprio Filho». Ainda mais energicamente, Paulo sustenta que «Deus o fez pecado a nosso favor» (2 Cor 5,21), e: «Ele se tornou maldição por nós» (Gl 3,13). O Pai abandona o Filho «por nós», para se tornar, com isso, o Deus e Pai dos abandonados. O Pai «dá» o Filho para se tornar, por meio dele, o Pai daqueles que foram «entregues» (Rm 1,18ss.). O Filho é entregue a esta morte para se tornar o irmão e o salvador dos condenados e amaldiçoados.
O Filho sofre a morte neste abandono. O Pai sofre a morte do Filho. À morte do Filho, responde, pois, a dor do Pai. E, se nesta viagem ao inferno o Filho perde o Pai, em tal juízo, também o Pai perde o Filho. É colocada em jogo a vida mais íntima da Trindade. Aqui, o amor do Pai, que se comunica, torna-se dor infinita pelo sacrifício do Filho. Aqui o amor do Filho, que responde ao Pai, torna-se sofrimento infinito, por ter sido rejeitado e repudiado pelo Pai. O que acontece no Gólgota atinge a divindade até a sua profundidade, e conota, pois, a vida trinitária na Trindade.
Segundo Gl 2,16, porém, o Filho não foi somente entregue pelo Pai; também ele «deu-se a si mesmo, por mim». No acontecimento desta «doação», ele não é somente objeto, mas também sujeito. A sua paixão e morte foram uma passio activa, uma estrada que ele segue em plena consciência, uma morte que ele aceita. Segundo o hino cristológico que Paulo retoma em Flp 2, a auto doação do Filho consiste no seu despojar-se da imagem divina, no seu assumir a figura de servo, no seu humilhar-se e tornar-se «obediente» até a morte de cruz. Pela carta aos Hebreus (5,8), ele «aprendeu a obediência através das coisas que sofreu». Paradoxalmente, sofreu pela oração não atendida, pelo abandono do Pai. Assim, ele «aprendeu» a obediência e o sacrifício. E isto, em plena sintonia com a exposição sinótica da história da paixão.
Do ponto de vista teológico, isto significa uma profunda conformidade de vontade entre o Filho entregue e o Pai que o entrega. Exatamente este é o conteúdo do relato do Getsêmani. Mas, a profunda comunhão de vontades tem a sua origem no momento da mais ampla separação do Filho do Pai e do Pai do Filho, na morte de maldição sobre a cruz, na «noite escura» desta morte. Sobre a cruz, Pai e Filho são de tal modo separados um do outro, que se interrompem também as relações que os unem. Jesus morre «sem Deus». Sobre a cruz, porém, Pai e Filho estão de tal modo unidos, ao ponto de expressar um único movimento de doação: «quem vê o Filho, vê o Pai» (Jo 14,9). (...)
Paulo interpretou o acontecimento do abandono na cruz, da parte do Pai, como sacrifício do Filho e o sacrifício do Filho como amor de Deus. Aquilo que é o amor de Deus, «do qual, nada poderá nos separar» (Rm 8, 39), realizou-se sobre a cruz e sobre a cruz vem experimentado. Aquele Deus que envia o próprio Filho nos abismos e nos infernos do abandono de Deus, da maldição de Deus e do juízo final, no seu Filho tornou-se, em todos os lugares e continuamente, presente aos seus. Dando o Filho, ele doa «todas as coisas», e «nada» poderá jamais nos separar dele.
J. Moltmann, Trinità e Regno di Dio, 92-93

Um comentário:

donaleo disse...

Nunca havia refletido que a paixão de Cristo, além de um ato de amor aos homem foi um ato perfeito de amor ao Pai! Maravilhoso, Dom Ruberval!