sábado, 30 de março de 2013

45 Os infernos finalmente pertencem a Cristo

Descida aos infernos, Rolo do Exultet, séc. X, 11 - Vat. lat. 9820 - Biblioteca Apostolica Vaticana 
Se o Pai deve ser considerado como o criador da liberdade humana, com todas as suas previsíveis consequências, então a Ele pertence originariamente o juízo, e portanto, também o inferno; e quando envia ao mundo o Filho, para salvá-lo ao invés de julgá-lo, e para tal fim, «concede a ele todo juízo» (Jo 5,22), então, qual consequência extrema da liberdade criada, deve ser também, introduzir o Filho no «inferno». Mas o Filho pode ser introduzido no inferno somente enquanto morto, no Sábado Santo.

Este ingresso nos infernos é necessário, para que os mortos «devem escutar a voz do Filho de Deus» e, escutando esta voz, «viver» (Jo 5,25). O Filho deve visitar tudo o que, no domínio da criação, é imperfeito, informe, caótico, para fazê-lo passar ao seu domínio, porque Ele é o redentor. É quanto declara Irineu: «por isso desceu nas regiões inferiores da terra, para ver, com seus olhos, o que na criação ainda estava incompleto»(Adv. Haer., 4, 22, 1).

Esta visão do caos, operada pelo Homem-Deus, tornou-se, para nós, a condição da nossa visão da Divindade. A sua exploração das profundidades últimas transformou aquela que era uma «prisão» em um «caminho». Assim declara Gregório Magno: «Cristo desceu nas profundidades últimas do mar, quando foi ao mais profundo inferno, para reconduzir, de lá, as almas dos seus eleitos. Antes da redenção, as profundidades do mar não eram um caminho, mas uma prisão... Mas Deus transformou aquele abismo em uma estrada... É chamado também “o abismo mais profundo”, porque como os abismos do mar não podem ser perscrutados pelo olhar de nenhum homem, assim o segredo do inferno não pode ser apreendido por nenhum conhecimento humano» (Mor., 29).

Mas o Senhor pode atravessar o mais profundo inferno porque não é impedido de nenhuma ligação com o pecado, e é «livre entre os mortos». Gregório, depois, dos abismos do Sábado Santo dirige sua contemplação a descida do Redentor na perdição do coração pecador: a mesma descida se repete cada vez que o Senhor desce nas profundidades dos «corações desesperados».

Seguindo Gregório, também Isidoro de Sevilha fala da «estrada nas profundidades do mar», que abre aos escolhidos a estrada do céu (1 Sent., 14, 15). Porque o Filho atravessa o caos, em virtude da missão recebida do Pai, em meio às trevas daquilo que é contrário a Deus, está objetivamente «in paradiso», e isto pode ser expresso com a imagem do triunfo. Assim afirma Prodo de Constantinopla: «hoje Cristo veio à prisão, como rei, hoje ele despedaçou a porta de bronze e sua fechadura de ferro; ele que foi engolido como um morto ordinário, devastou o inferno, em Deus»(Serm., 6, 1). Tomou posse dos infernos, como sublinha Tomás de Aquino (Expos. symb., a 5). Os infernos, finalmente pertencem a Cristo.
H.U. von Balthasar, Pâques, le mystère,168-169.

Um comentário:

D. João Paulo, OSB. disse...

Nosso Deus é o Deus da Vida, para além de toda dor, desespero e morte... porque atravessou todas essas "(ir)realidades", levando atrás de Si e através delas, a Vida Plena de Deus... Obrigado, D. Ruber, por trazerem sempre um "rasgo" da Luz em meio às trevas de nosso mundo... Abraço! Feliz Páscoa...!!!