segunda-feira, 11 de março de 2013

27 A solidão fornalha de transformação

Jonas ´é regenerado no ventre do peixe, aquarela 1996, Monasterio de Tupasy Maria, Paraguay,
Quando Antão ouviu as palavras de Jesus: «Vai, vende aquilo que possuis, dá aos pobres... depois vem e segue-me» (Mt 19, 21), ele o tomou como um convite a fugir às coerções do seu mundo. Deixou a família, viveu pobremente em uma cabana nos arredores da cidade e ocupou seu tempo na oração e nos trabalhos manuais. Mas, logo compreendeu que lhe era pedido algo mais. Era necessário que afrontasse seus inimigos, a ira e a ganância, que tivesse em vista seus assaltos e se transformasse inteiramente em um novo ser. Seu velho e falso «eu» devia morrer e um novo devia nascer. Por isso ele se retirou na completa solidão do deserto.

A solidão, de fato, é a fornalha da transformação. Sem ela, permanecemos vítimas da nossa sociedade, continuamos a ser envolvidos nas ilusões do falso «eu». Jesus mesmo entrou nesta fornalha. Aqui, Ele foi tentado com as três sugestões do mundo: ser importante - «muda as pedras em pão» (Lc 4, 3), estar em evidência - «atira-te daqui de cima» (Lc 4, 9) e ser poderoso - «dar-te-ei todos estes reinos» (Lc 4, 5). Aqui, proclamou Deus como única fonte de sua identidade («somente adorarás ao Senhor teu Deus e a Ele servirás» [Lc 4, 8]). A solidão é o lugar da grande luta e do grande encontro com Deus Amor, que oferece si mesmo como substância do novo eu. Tudo isto pode soar irritante. Pode evocar até mesmo imagens das práticas ascéticas medievais. Mas, uma vez colocadas as coisas em seu lugar, não demoraremos a dar-nos contas que ainda temos muito que fazer com o santo lugar no qual ministério e espiritualidade se abraçam um ao outro. Este lugar é chamado precisamente solidão.

Se desejamos apreender o significado da solidão, devemos, antes de tudo, desmascarar os modos nos quais a idéia de solidão foi distorcida no nosso mundo. Dizemo-nos reciprocamente que nos falta um pouco de solidão em nossas vidas. Aquilo a que nos referimos neste caso é um tempo e um lugar todo para nós, no qual não sejamos importunados pelos outros, e onde possamos desenvolver nossos pensamentos, exprimir nossas insatisfações, em outras palavras, fazer nossas coisas, quaisquer que sejam, Como se disséssemos que, para nós, a solidão significa, no mais das vezes, «privacidade». Chegamos à ambígua conclusão que a solidão é um direito de todos. Ela se coloca então como uma propriedade espiritual, pela qual devemos buscar no livre mercado dos bens espirituais. E tem mais... Pensamos na solidão também como um posto de serviços, onde podemos recarregar nossas baterias, ou também como o canto do ringue, onde nossas feridas são medicadas, nossos músculos massageados e nossa coragem revigorada com o slogan da circunstância. Resumindo, concebemos a solidão como o lugar onde recobramos novas forças para continuar a sustentar a competição da vida. Mas esta não é a solidão de João Batista, de Antão, de Bento... A solidão não é um lugar terapêutico privado. Vai muito além, é o lugar da conversão, o lugar onde o velho «eu» morre, o lugar onde se verifica nascimento do novo homem e da nova mulher.

H.J.-M. Nouwen, Silenzio, solitudine, preghiera, 27-29.

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