terça-feira, 12 de março de 2013

28 A prova da solidão

Como podemos obter uma inteligência mais clara da solidão transformante? Buscarei descrever, com maiores particulares, a luta e o encontro que se verificam na solidão, assim entendida.

Começarei dizendo que, na solidão, sou libertado dos meus andaimes: sozinho comigo mesmo, nú, vulnerável, fraco, pecador, miserável, em desabamento, e nada mais. É este nada que eu devo afrontar na minha solidão: um nada de maneira tão terrível que me pressiona para que corra para os meus amigos, para meu trabalho, para minhas distrações, de maneira que esqueça este nada, e me leve a crer que sou digno de alguma coisa. Mas não é tudo. Não apenas decido estar em solidão, idéias confusas, imagens perturbadoras, fantasias desordenadas e associações estranhas saltam em minha cabeça, como macacos numa bananeira. A ira e a avidez voltam a mostrar-me os seus rostos ameaçadores. Comparecem discursos hostis contra meus inimigos, e sonhos ávidos nos quais sou rico, atraente e importante, ou então, pobre, desagradável e necessitado de uma imediata consolação. Assim, tento novamente subtrair-me ao obscuro abismo de meu nada e de restaurar o meu falso eu, em toda a sua vanglória.

A minha tarefa é de perseverar na solidão, de estar na minha cela até que todos meus sedutores visitantes tenham se cansado de bater à minha porta e se decidam a deixar-me sozinho.

A luta é real, porque o perigo é real: o perigo de viver toda a nossa vida como uma contínua defesa contra a realidade de nossa condição, como um inquieto esforço de convencermos a nós mesmos da nossa virtude. E olhe que Jesus não veio chamar os justos, mas os pecadores (cf. Mt 9, 13).

Esta é a luta: a luta para deixar morrer o falso eu. Ela está, porém, para além das nossas forças. Quem quer que pretenda combater os seus demônios, com suas armas, é um louco. A sabedoria do deserto está na constatação que o confronto com nosso assustador nada nos obriga a entregar-nos totalmente e incondicionalmente ao Senhor. Sozinhos não podemos embater-nos contra o «mistério da iniquidade» impunemente. Unicamente Cristo pode superar as potências do mal. Unicamente nEle e por Ele podemos sobreviver às provas de nossa solidão.

H.J.-M. Nouwen, Silenzio, solitudine, preghiera, 29-31.

Um comentário:

Pimenta disse...

Interessante notar a natureza da vida, do humano, como mesmo não procurando, o deserto vem, mesmo não tendo o costume de "terceirizar" soluções, acabamos entregando pra Deus o nosso "nada" e pouco a pouco deixa de ser assustador para ser preferível.